Direitos Humanos debate caso de adolescente internada em abrigo sem consentimento da família

A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara do Recife debateu, em encontro nesta segunda-feira (22), o caso de uma adolescente de 17 anos, que tem transtornos mentais e foi internada em um abrigo da Prefeitura, sem o consentimento da família. De acordo com familiares, ela estava sendo cuidada em casa, mas o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), onde era atendida, acionou o Ministério Público por conta de crises recorrentes e a garota foi internada. Estiveram presentes à reunião, a presidente da Comissão, vereadora Michele Collins (PP), os vereadores Ivan Moraes (PSOL) e Joselito Ferreira (PSB), e também a irmã da adolescente, a advogada da família, além de representantes do Caps.

A vereadora Michele Collins falou sobre o caso da adolescente, que disse ter tido conhecimento através das redes sociais. "A adolescente tem um transtorno mental que desenvolveu durante a pandemia e foi afastada da família por uma decisão judicial. Hoje, ela se encontra em um abrigo da Prefeitura do Recife. Tomamos conhecimento através das redes sociais pela forma que ela foi retirada de casa e fomos atrás do caso. Constatamos que ela teve o problema mental e estava se tratando em um Caps desde janeiro. Ela começou a ter mais crises e foi internada três vezes, com a família dando total assistência. O pessoal [do Caps] oficiou o Ministério Público alegando que a família não dava a assistência devida, e foram três carros da polícia na casa dela para levá-la a um abrigo da Prefeitura", afirmou. 

Irmã da jovem, Lana Mízia relatou que não morava mais na casa da mãe, mas teve de voltar quando a irmã começou a desenvolver o transtorno. "Minha mãe começou a passar notícias que a minha irmã estava debilitada, quando o caso foi se agravando e ela foi deixando de mexer no celular, de comer, até passar um dia todo sem comer e minha mãe pedir ajuda, foi quando a encaminharam para o Caps. Depois da primeira internação, voltei de viagem para acompanhar o caso de perto e dar apoio. Chegando aqui, acompanhei o tratamento e sou a prova viva que minha mãe sempre deu assistência e eu também estava para dar apoio. Chegou um tempo em que a minha irmã não queria mais ir ao Caps". 

De acordo com Lana Mízia, a mãe tentou levar o atendimento do Caps para casa para não agravar a doença da filha, mas não foi possível por conta da pandemia. "Minha mãe continuou levando quando podia, mas não tinha como levar quando a adolescente não queria. A assistente social sempre dizia que a minha mãe não estava dando remédio e que ela estava em crise. Uma semana depois, minha irmã chegou da internação e chegou o papel para o comparecimento da minha mãe numa audiência, mas ela ficou sem entender e disse que não ia comparecer porque não tinha cabimento, já que não maltrata a filha. Como ela não compareceu, chegaram três carros da polícia lá, pegaram a minha irmã e a levaram para o abrigo, sem as roupas e sem medicamento", contou. 

A irmã da adolescente afirmou ter entrado em contato com a Defensoria Pública para saber para onde levaram a irmã e como fazer para tirá-la do abrigo. "Levei as roupas, os medicamentos e a vi desesperada. Retornei para casa e comecei a conversar com a Defensoria para saber como podia fazer para tirar a minha irmã do abrigo, porque só vi a hora de ela piorar, foi quando ela entrou em crise e tentou se matar. Quando a tiraram da família, ela passou três dias sem comer, sem beber água e nem tomar remédio. A todo momento ela só dizia que ia comer com a mãe, mas ninguém ligava para a mãe comparecer". 

A advogada da família Taisa Guedes disse que o que mais chamou a sua atenção foi o não cumprimento dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "A gente sempre prega o princípio da proteção integral e utiliza como medida de exceção a retirada da família para colocar em abrigo. Não existe agressão física, emocional, abuso. A denúncia foi baseada numa negligência, e tem que se pensar nas situações fáticas que aconteceram. Fizemos a defesa e o Ministério Público já apresentou parecer para que a menor saia do abrigo e vá para a casa da avó materna", informou. 

Ao também citar o ECA, o vereador Ivan Moraes (PSOL) destacou que a proteção da criança e do adolescente é prioridade absoluta e que a tarefa de cuidar é conjunta do Estado, família e sociedade. "A rede psicossocial e o Caps são vitórias do movimento antimanicomial. Quando existe Caps e uma política que entende que o sofrimento mental e as doenças da mente precisam ser tratadas no ambiente familiar não apenas porque é direito, mas porque é ali que se obtém os melhores resultados. O que pode ter acontecido, na melhor das hipóteses, é que houve uma grande confusão. Por mais que houvesse maus tratos, e aparentemente não houve, poderiam ter sido utilizados diversos encaminhamentos possíveis nesse caso. Manifesto minha solidariedade e gostaríamos que a situação fosse resolvida o mais breve possível. É do interesse da família, do Estado, da sociedade e da adolescente que ela seja cuidada dentro do ambiente doméstico, seja na casa da mãe, da avó ou da irmã", pontuou. 

A gerente Ocupacional do Caps, Simone Matias, apresentou o histórico da jovem, tendo em vista que o caso clínico deve ser mantido em sigilo. "A gente está com a jovem desde abril e em momento nenhum esse cuidado foi descontinuado nem pra ela e nem para a família. Desde lá que a gente vem fazendo várias investidas para cuidar da jovem. O Caps não tem o poder de tirar uma criança ou adolescente para abrigo, nosso papel é o cuidado e, diante disso, em todas essas instâncias é fazer as notificações, e a medida que a gente não conseguia prestar o cuidado de forma necessária, acionamos os parceiros para fazer as notificações". 

A representante em saúde mental do Distrito Sanitário V, Mônica Lima, destacou que a jovem segue sendo cuidada pelo Caps antes e depois da denúncia. "Inclusive hoje a mãe dela foi ouvida terapeuticamente. Esse Caps sempre deu suporte e dará. A gente tem uma equipe ética, competente que há 15 anos trabalha com esse público". 

Por sua vez, o vereador Joselito Ferreira (PSB) demonstrou preocupação com o estado da jovem. "A minha preocupação como parlamentar é a gente encaminhar como é a situação, porque a família fala que foi lá e viu a irmã que estava há três dias sem se alimentar, sem medicação e sem banho. O Distrito está dizendo que ela está tendo um bom atendimento. A minha preocupação é que se resolva o que seja melhor para a jovem, porque isso mexe com a família toda". 

O assessor de Joselito Ferreira e integrante da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB/PE, Geraldo de Azevedo, destacou que, em via de  regra, o acolhimento institucional é exceção. "Só se adota  quando não for mais possível nenhuma outra medida, quando se esgotam as maneiras da criança permanecer na família ou até com alguém que tem grande afinidade afetiva. É importante que a Câmara, como órgão fiscalizador do Executivo, monitore essas políticas, não que tenha havido falha nos setores. Se houver possível falha no cumprimento do dever familiar dos pais e da família, vai ser avaliado pelo Ministério Público e Judiciário. É importante que a discussão continue e que essas políticas sempre sofram maturação constante. Já encaminhei [o caso] para a Comissão [da OAB] e nos colocamos à disposição para o que for preciso". 

Projetos distribuídos - Além da discussão sobre o caso da adolescente, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania distribuiu sete projetos de lei Ordinária e aprovou um projeto de resolução. Trata-se do projeto de resolução de número 25/2021, de autoria de Osmar Ricardo,  que institui, no âmbito da Câmara Municipal do Recife, a "Frente Parlamentar em Defesa da Cidadania LGBTQIA+". 

Também foram distribuídos  sete proposições entre os membros do colegiado para análise posterior. Três são projetos de lei Ordinária de autoria de Michele Collins: o de número 344/2021, que garante o direito das denominações religiosas situadas no município do Recife de não efetuar casamento ou cerimônia religiosa que viole as suas crenças e dá outras providências; o 376/2021, que dispõe sobre a disponibilização de cadeiras de rodas nos Órgãos da Administração Direta e nas entidades da Administração Indireta do Município do Recife, e o de número 377/2021, que dispõe sobre o desenvolvimento de ações que visem à utilização de recursos de tecnologia assistiva para os alunos com deficiência ou doença rara, nos estabelecimentos de ensino da Rede Pública do Município do Recife, e dá outras providências.

Além desses, foram distribuídos os projetos de número 370/2021, de Ivan Moraes, que institui a gratuidade (Passe Livre) no sistema de transporte público coletivo para pessoas de baixa renda portadoras do Vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS); o de número 374/2021, de autoria da vereadora Dani Portela (PSOL), que dispõe sobre a proibição de homenagens, por meio da utilização de expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal relacionado à escravidão ou a pessoas que especifica, por pessoas físicas e pessoas jurídicas de Direito Privado; o projeto de lei Ordinária 381/2021, também de Dani Portela, que dispõe sobre a proibição de homenagens a violadores de direitos humanos no Município do Recife. E o projeto de número 386/2021, de autoria coletiva das vereadoras Dani Portela e Liana Cirne (PT), e dos vereadores Ivan Moraes, Jairo Britto (PT), Luiz Eustáquio (PSB), Osmar Ricardo (PT), Rinaldo Júnior (PSB), que institui o “Estatuto da Igualdade Étnico-Racial” no município. 

Em 22.11.2021