Frente Parlamentar debate a Gestão Compartilhada do Centro
O tema “Gestão Compartilhada do Centro” foi debatido como foco no enfrentamento das desigualdades, visando a ampliação do olhar sobre as oportunidades. Participaram dos debates a arquiteta Amélia Reynaldo; consultor internacional Jorge Melguizo; presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife (CDL), Frederico Leal; empresário Bruno de Castro e Silva; o produtor cultural Jorge Clésio; empresário Breno Coelho; e a secretária Executiva de Desenvolvimento e Inovação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação(SDECTI), Gelisa Bosi. “O tema de hoje já sinaliza que, tanto esta casa, a Câmara Municipal do Recife, quanto o Poder Executivo e a sociedade civil devem compartilhar as responsabilidades no processo de reconversão física e funcional desse importante território”, disse Cida Pedrosa.
As áreas centrais do Recife, de acordo com a parlamentar, que já vinham sofrendo um esvaziamento, agora, em decorrência da pandemia, estão em situação ainda mais crítica. Para combater essa situação, disse, é preciso redobrar as atenções e agilizar as providências para estancar o processo de degradação em que se encontra. “Não podemos pensar que o Poder Executivo é capaz de dar conta, sozinho, dessa empreitada. Por isso, assumimos o papel de liderar o processo. Falo pela Frente Parlamentar, dialogando com os diversos ‘atores e atrizes’ que têm o centro como seu lugar de negócios, de trabalho, de moradia, de lazer, de estudo e referência simbólica e afetiva”.
Cida Pedrosa acrescentou que essa é uma missão instigante mas, ao mesmo tempo, desafiadora da Frente Parlamentar. “Há uma demanda reprimida de falas, de espaço de decisão e de construção de uma força-tarefa para este fim”. Ela afirmou ter certeza de que o trabalho dessa Frente Parlamentar não se encerra em 2021. “Pelo contrário, o ano de 2022 vai ser de muita luta, tanto para trazer a essa tribuna novas discussões acerca de temas também importantes como a questão do meio ambiente e das mudanças climáticas, da manutenção dos espaços públicos, dos serviços urbanos, da acessibilidade, como também para formulações legislativas para o Centro”. A vereadora Cida Pedrosa fez a divulgação da programação da Frente e anunciou que no dia seis de dezembro será o encerramento das atividades do colegiado neste ano.
Num rápido balanço do trabalho que já foi realizado, a vereadora assegurou que a Frente Parlamentar, através do seu mandato, já encaminhou 18 emendas vinculadas ao Centro do Recife, com base nos debates das reuniões anteriores, aos projetos de lei da Lei Orçamentária Anual (LOA) e no Plano Plurianual (PPA). Uma das grandes mudanças advindas com o colegiado, disse Cida Pedrosa, foi enxergar o centro como uma área que vai além do Bairro do Recife. As emendas propõem ações para os diversos bairros como Boa Vista, São José e Santo Antônio.
Em seguida, o vereador Alcides Cardoso (DEM), que é membro do colegiado, se pronunciou. Ele parabenizou Cida Pedrosa e o vice-presidente da Frente Parlamentar, vereador Marco Aurélio Filho (PRTB), pela condução dos trabalhos. “Nesta Frente, trabalhamos para colher contribuições como as da reunião de hoje, para, a partir disso, irmos para a execução, em busca de solução para o centro do Recife”. O vereador elogiou o trabalho realizado pelo empresário Bruno de Castro e Silva, que foi um dos palestrantes, e disse que ele dá um bom exemplo de reconversão de um edifício empresarial (o Edifício Sertã) para unidades habitacionais, no centro do Recife. Alcides Cardoso também lembrou que, através de seu mandato, encaminhou emendas aos projetos da LOA e do PPA, que somam mais de R$ 4 milhões, para obras do centro. “As minhas propostas contemplarão a revitalização do centro”.
O vereador Luiz Eustáquio (PSB) disse que o seu sonho é “ver o Recife melhor” e que o desafio de requalificar o centro é maior do que se pensa. “O nosso desafio é vivermos numa cidade preservada e histórica, mas também inclusiva. Que não seja um cidade de poucos, mas de todos”. Ele lembrou que na comunidade do Pilar, no Bairro do Recife, há um terreno desocupado que pode servir para construção de habitações populares. Se isso ocorresse, segundo ele, seriam resolvidos dois problemas: dar moradia à população e ocupar terrenos desocupados. “O compromisso desta Casa e dos vereadores desta Frente é buscar o melhor pelo Recife e contar com a contribuição de muita gente boa que tem vindo aqui para debater conosco e nos ensinar para seguirmos no caminho certo”
A arquiteta Amélia Reynaldo foi a primeira convidada a falar. O tema que ela abordou foi: “Reabilitar é uma questão de políticas públicas”. Ela é consultora da Unesco junto ao IPHAN, foi presidente da Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana (Fidem), participou da criação do Departamento de Preservação dos Sítios Históricos (DPSH) e coordenou o Plano de Reabilitação do Bairro do Recife (1987 a 1988). Amélia Reynaldo falou da importância da gestão pública no processo de reabilitação dos centros antigos, por meio de experiências local e internacional.
Ela demarcou a expansão urbana nas características de crescimento do Recife. O início do processo de urbanização da cidade se deu, segundo ela, entre o século 17 até 1936, em que toda a cidade do Recife era o Bairro do Recife, São José, Santo Antônio, e parte da Boa Vista. O que ficava no entorno, disse, era arrabalde. A partir de 1936, o Recife já tinha cerca de 800 mil habitantes, e foi criada uma legislação urbanística que espraiou a urbanização a partir do bairro da Boa Vista, com o parcelamento do solo. “O que era a cidade do Recife passou a ser o centro. Essa configuração continuou ate os anos 1970, quando a cidade já tinha pouco mais de 1 milhão de habitantes. O centro de então foi perdendo atividades e população”.
Ela questionou se a necessidade de "transformar o centro da cidade é uma particularidade apenas do Recife?" E respondeu que não. “Houve um esvaziamento do centro em diversas cidades do mundo”. Com isso, surgiu a necessidade de uma política própria para recuperar os centros. Em 1975, o Conselho Europeu, reunido em Amsterdã, definiu o Ano do Patrimônio Histórico. “Com base nesse evento, muitas leis em diversos países foram criadas para reabilitar essas áreas, que ficavam todas no centro”. Em sintonia com o que vinha ocorrendo na Europa, na década de 1980, “tivemos aqui as primeiras gestões democráticas e que teve como premissa, melhorar as condições do centro antigo do Recife”.
Ela fez uma análise de gestões do Poder Executivo e do interesse delas pelo centro do Recife. Amélia Reynaldo relatou que a gestão 1986-1988 criou o Escritório de Reabilitação do Bairro do Recife que tinha como premissa melhorar as condições da população moradora. A gestão de 1989-1992, segundo ela, mudou o enfoque e o bairro do Recife foi suporte para projetos turísticos. Foi nessa época em que se criou o Porto Digital. A gestão de 2001 a 2008, disse a professora, teve pouco interesse pelo centro e o Escritório pelo Centro foi desativado. De 2009 a 2013 o interesse pela área foi semelhante ao anterior; de 2013 a 2020, “também não teve grandes interesses, mas avançou na questão da moradia”. A gestão iniciada em 2021, conforme Amélia Reynaldo, adotou um “discurso de interesse e descobrimos que há demandas e falas reprimidas”. No seu ponto de vista, reabilitar o centro é uma questão de políticas públicas, que se constrói coletivamente e é tarefa de várias gestões.
O ordenamento do centro de Medellin, na Colômbia, foi debatido pelo consultor internacional, ex-gerente do Centro Medellin, Jorge Melguizo. O tema tratado por ele tem despertado muito interesse nos arquitetos e urbanistas, políticos e gestores públicos como exemplo de intervenção integrada. Jorge Melguizo é ex-secretário da Cultura e Desenvolvimento Social de Medellin. Ele compartilhou vários documentos que foram produzidos na época do ordenamento de Medellin, há cerca de 20 anos. Segundo ele, as políticas públicas que foram adotadas na primeira gestão não foram quebradas nas seguintes, mas seguidas por cinco gestões municipais consecutivas, que tiveram cinco prefeitos de partidos e ideologias diferentes.
Ele afirmou que toda obra física deve ter um conteúdo social. “Caso não se resolva, antes, as questões sociais, nenhuma solução é viável numa política de reordenamento do centro”. Ele também falou das intervenções que foram adotadas desde a primeira metade dos anos 2000, para ocupação de imóveis; apoio às populações que vivem e residem no centro; e apresentou o Plano Especial do Centro, adotado em Medellin, em 2005. “Os pontos principais do plano foram os componentes sociais, econômicos e físicos. E os componentes transversais do mesmo plano foram a participação popular, educação e comunicação”.
Jorge Melguizo detalhou cada um desses componentes (sociais, econômicos e físicos ) e acrescentou que cada item exigia a criação de alguns planos com objetivos e metas. Ele também questionou: “O importante do Plano foi definirmos o que queríamos. E o que queríamos?”. Entre outras coisas, segundo ele, foi definido que se pretendia para o centro de Medellin “ser um centro conectado, habitado, cultural e metropolitano, que permitisse a relação de convivência com todos, um centro seguro, com muitos parques, que desse a sensação de ser um novo modelo de cidade”. Ele afirmou que se pretendia transformar o centro de Medellin como cidade, mas que o objetivo principal era “transformar enquanto sociedade”.
O tema “Planejamento: gestão e governança para reverter a decadência atual” foi apresentado pelo presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife (CDL), Frederico Leal. Também presidente do Sindilojas Recife e primeiro Vice-Presidente da Fecomércio – PE, ele falou sobre as premissas necessárias para conter o processo de degradação do Centro, focando na questão do comércio. “Boa parte de minha vida foi dedicada ao centro, através da Loja Viana Leal, que foi simbólica para o Recife. Quando começamos a trabalhar no CDL, criamos o projeto Reviver o Centro, que também contemplava a questão da moradia e zeladoria”.
Ele lembrou que no início dos anos 2000 foi criado pela Prefeitura do Recife o “corredor do comércio”, que se estendia desde a Praça Maciel Pinheiro à Rua Duque de Caxias, para incentivar as vendas, e que essa iniciativa foi essencial para a manutenção das atividades comerciais. Frederico Leal entende que a degradação em que se encontra o centro, hoje, não é um problema restrito a algumas ruas, mas é comum a praticamente todo o centro da cidade. “O ideal seria termos uma Gestão Territorial, que desenharia os planos de ação na mobilidade, ocupação, resgate social, os cuidados com as ruas e o Rio Capibaribe etc. A Gestão Territorial, em seu entender, precisaria ter um conselho consultivo para funcionar a contento.
Na sequência da reunião, três convidados falaram acerca de reconversão de imóveis no centro, adaptados para novos usos, cada um com escala e perfil diferentes. O primeiro foi um exemplo de reconversão de um edifício empresarial (o Edifício Sertã) para unidades habitacionais. Quem fez a abordagem foi o empresário Bruno de Castro e Silva. Ele defendeu o tema “A reconversão do Edifício Sertã para uso habitacional no coração do Recife”. Bruno de Castro e Silva é engenheiro civil, ocupou cargos públicos como diretor Geral do DER-PE e foi presidente da URB Recife. É comerciante do setor têxtil e, desde 2019, diretor da Imobiliária Daniel Rodrigues.
Ele mostrou sua experiência com o prédio, que é um imóvel de sua propriedade. “O prédio faz parte de um conjunto arquitetônico da Avenida Guararapes. De início, ele era voltado para o comércio. Mas, na década de 1960, as empresas começaram a sair da Avenida Guararapes e o prédio ficou fechado. Em seguida, o Ministério do Trabalho alugou o prédio por 10 anos. “Nos início dos 1980 o Ministério saiu do prédio, que voltou a ficar fechado. Muitos anos depois, descobri que há uma demanda reprimida de pessoas que querem residir no centro e requalifiquei o imóvel para este fim”. Para descobrir essa vocação, o empresário fez uma pesquisa.
O Sertã foi reformado e os apartamentos, remodelados, sob a supervisão de uma arquiteta. “O centro do Recife é viável. Nós inauguramos o prédio para aluguel no início de 2020. Mas, veio a pandemia e suspendemos as negociações. Voltamos a abrir para aluguel este ano e agora só resta um apartamento desocupado. Mas, quem aluga apartamentos no centro? Na pesquisa constatei que há um mercado de pessoas jovens, que trabalham e querem morar ali. É o pessoal de saúde, tecnologia e serviços de home office. A demanda é grande”.
No segundo caso de reconversão de imóveis no centro quem falou foi o produtor cultural Jorge Clésio, que discorreu acerca da temática “Casa outrora: salvaguarda, luzes e resiliência na Rua da Glória”. Jorge Clésio é artista de teatro, gestor público na área da Cultura e integrante do movimento Teatro em Casa. Ele se diz apaixonado pelo bairro da Boa Vista e desde 2014, mantém a Casa Outrora, na Rua da Glória, sua residência, que também serve de loja de móveis e objetos de épocas, espaço de encontros, locação de atividades audiovisuais e apresentações teatrais. Em sua fala ele explicou como resgatou um imóvel que estava sem uso fazendo adaptações físicas. O imóvel é de propriedade da Santa Casa.
Em sua narrativa, Jorge Clésio disse que sua iniciativa é de “formiguinha”, mas desejou que fosse motivadora para outros artistas para que venham morar no centro ou terem na região espaços de produção. Quando resolveu morar na casa 300 da Rua da Glória, fechada havia cinco anos, Jorge Clésio disse que a tia (Tia Baíta) assumiu o contrato de uma casa que estava em ruína. “Minha família foi fundamental para essa decisão. Eu retirei de lá muito lixo e fiz uma reforma”.
Outras pessoas se juntaram a Jorge Clésio na força de manter a casa aberta, como a estilista Carol Azevedo, que compôs o espaço com seu acervo; as atrizes Hilda Torres e Luciana Pontual, que montaram espetáculos. “Sem esses apoios eu não estaria nessa casa há oito anos”. Também recebeu doações para recuperar o parapeito do mezanino e outros artistas montaram espetáculos e o espaço se manteve. “Eu me sinto responsável por acender as luzes desta casa, que não é minha, mas é importante para o Recife e Pernambuco”.
O último caso de reconversão de imóveis no centro foi feito pelo empresário Breno Coelho, que falou sobre “Arte como solução, uma nova vocação (Espaço CriaDouro)”. No Edifício Douro, jovens artistas e empreendedores da economia criativa se juntaram para dar vida aos espaços desocupados. “O prédio fica no Bairro de Santo Antônio. Ele é de propriedade da minha família e estava desocupado havia muitos anos. A vocação do prédio era comercial e funcionou com uma loja por 50 anos, até 1998. Quando essa loja fechou, o prédio também ficou fechado”.
É um prédio de 1.600 metros quadrados, com três pavimentos. “Ouvi várias sugestões e até pensei em derrubar para um estacionamento. Em 2019, o artista plástico Rafael apareceu e me fez a proposta de ocupação do prédio”. O artista plástico desenvolveu um projeto colaborativo e as salas são alugadas para artistas e pequenas lojas para arte urbana. “O prédio está 100% ocupado. O retorno financeiro ainda não é positivo, pois ainda estou pagando os investimentos. Mas o importante é que o prédio hoje tem uso e tem uma vocação. A arte vem salvando o Edifício Douro”.
Por fim, a secretária Executiva de Desenvolvimento Econômico, Ciência da Tecnologia e Inovação (SDECTI), Gelisa Bosi, abordou o “Centro do Recife – olhando para o futuro”. Graduada em administração de empresas, com especialização em Gestão Empresarial, e Sistemas e Estratégias de Inovação pelo CEDEPE/Porto Digital, ela deu uma visão de como o órgão vem atuando e pensando no futuro do Centro. “Sabemos que no passado houve o escritório do centro e pensamos em resgatar algo que funcionou e deu certo. E o prefeito João Campos, com o olhar de zeladoria e por saber dos problemas, vai anunciar algumas decisões”, disse.
Gelisa Bosi disse que a gestão tem preocupação com a questão da moradia popular no centro e que já foram contratados recursos para construção de 200 habitações para a comunidade do Pilar, no Bairro do Recife. Através de uma PPP, segundo ela, pode-se estimular a habitação social no centro. Haverá, também a adoção dos relógios públicos que vão ajudar na segurança pública”, disse.
Em 12.11.2021.