Vereadora realiza audiência pública no Dia da Não Violência Contra a Mulher
Participaram dos debates a Ativista e feminista antirracista, educadora, Sueli Valongueiro; a responsável pelo Ilê Axé OyáIdainã, a yalorisá e mestra Maria Conceição da Silva (Ceiça Axé); a estudante de Ciências Sociais, Liana Araújo; e a ativista de movimentos sociais, Sônia Ribeiro da Silva. Além delas, outras mulheres fizeram participações durante o evento. O “Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher” traz a memória de três irmãs ativistas políticas latino-americanas que se chamavam Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal . Em 1961, elas foram assassinadas porque faziam oposição à ditadura de Rafael Trujillo, que presidiu a República Dominicana de 1930 a 1961, quando foi deposto.
A vereadora Liana Cirne abriu a audiência pública informando que neste 25 de novembro de 2021, “assistimos estarrecidas ao número de feminicídios”. Segundo ela, em Pernambuco, no primeiro semestre deste ano, o índice cresceu 40% enquanto que o de homicídios diminuiu 15%. “Era de se esperar que o feminicídio também fosse reduzido. Mas, o ódio contra a mulher, aí incluído o transfeminicídio, refletem o que houve na pandemia de covid-19. A pandemia é considerada e uma das responsáveis pelo aumento dos casos”.
“Por causa do isolamento social o feminicida é quase sempre o companheiro, o marido, a pessoa que deveria ser da confiança. Os números da violência sexual traduzem a mesma realidade. O estupro é cometido dentro de casa pelo pai, tio, avô, ou por alguém que deveria ter a tutela, o dever de proteger, de garantir o bem estar físico e moral da vítima. Por isso, há muito o que se conquistar na luta da mulher. E todas as nossas conquistas são fruto de lutas”, disse.
A vereadora acrescentou que o combate à violência contra a mulher não pode ser dissociado das lutas antirracistas. “A violência contra a mulher passa pela questão de raça. As mulheres negras, indígenas e quilombolas sofrem opressões multiplicadas”. Além de falar sobre o enfoque antirracista, Liana Cirne abordou que era preciso reconhecer, como fruto da pandemia de covi-19, que a exaustão da mulher, inclusive mental, também aumentou nesse período. “A divisão social do trabalho nunca foi tão perceptível quanto na pandemia. A divisão do trabalho doméstico se tornou ainda mais explícita e injusta. Este dia, portanto, é de celebração e de muita luta, pois o respeito aos nossos direitos, à nossa vida, à dignidade sexual e à nossa integridade moral ainda precisam ser objeto de uma caminhada de muita luta”.
Convidadas – Após a fala da vereadora, as convidadas se apresentaram. A primeira, Sueli Valongueiro, é ativista e feminista antirracista, educadora, atua como defensora dos Direitos Humanos e da autonomia das meninas e mulheres desde 1998, coordenando projetos e ações na organização Grupo Curumim, onde hoje integra a coordenação colegiada. “Hoje é um dia simbólico, que nos chama para reforçar a luta contra todas as formas de violência contra a mulher. A luta do enfrentamento à violência tem que ser cotidiana, pois os casos ocorrem todos os dias”.
Sueli Valongueiro apresentou considerações sobre a pandemia de covid-19 na vida das mulheres. “A pandemia expôs e expõe as desigualdades e agrava a falta de direitos sociais no Brasil, com consequências perversas na vida das mulheres, sobretudo negras, indígenas e na situação de pobreza”. De acordo com ela, o poder publico ficou ausente ou negligenciou diante das violências cometidas contra a mulher na pandemia. Ela fez uma analise dizendo que o período favoreceu o ciclo de violência contra a mulher. “Não nos surpreende que a primeira mulher a perder a vida no Recife, com covid-19, foi uma empregada doméstica. E que outra empregada perdeu o seu filho porque não foi liberada do trabalho. Falo de Mirtes, mãe de Miguel. Esses casos têm a ver com o racismo e com as desigualdades sociais”.
A educadora disse que o Grupo Curumin ouviu 132 meninas e adolescentes, que fizeram narrativas de suas experiências familiares e sociais, na pandemia. Ela leu alguns textos escritos pelas participantes do estudo, com relatos dramáticos. Por fim, Sueli Valongueiro apresentou dados que falam do cenário de violência do racismo. “O 14º Anuário Brasileiro de Segurança informa que a cada oito minutos uma criança de 13 anos é estuprada, três mulheres são mortas por dia por feminicídio e a maioria é negra; 30 mulheres sofrem agressões físicas por hora; e a taxa de feminicídio aumentou mais de seis por cento este ano. Esses dado estão no Atlas da Violência que foi lançado hoje pela Articulação de Mulheres Brasileiras”, disse.
A iyalorisá Maria Conceição da Silva (Ceiça Axé) falou na sequência. Ela é responsável pelo Ilê Axé OyáIdainã, fundadora da Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco e do UialaMukaji, e mestra em Educação. Ela ampliou o debate, falando do momento político e social, além da pauta antirracista, que atinge negros e índios. “O nosso País, é palco da maior violência desenhada nos últimos tempos e que quase extermina os donos da terra, mas a ancestralidade indígena não vai permitir que nossos irmãos sejam extintos. Também esquecem que a África é berço da humanidade e que Pernambuco é o segundo País mais negróide fora de Africa. O Nordeste é a região mais negróide no Brasil. O Nordeste e Pernambuco têm a maior diversidade espiritual negrilha. Mesmo assim este é um País racista, classista, msógino, homofóbido, lesbófobo e anti ambientalista. A desconexão com a Mãe Natureza vem de longe”.
Sobre a questão da violência contra a mulher, Ceiça Axé afirmou que as negras são as maiores vítimas do feminicídio, mas também “dessa violência escancarada que foi a pandemia da covid-19. Ela nos mostrou que estamos abanados pelo poder público”. Além dos casos de violências que todas as mulheres enfrentaram, as negras ainda foram vítimas do racismo estrutural e religioso, de acordo com ela. “Este dia de hoje serve para darmos as mãos e compreendermos que nossa luta é vitoriosa e que nossa conexão não vai nos deixar faltar nada”.
A estudante de Ciências Sociais, militante do movimento sindical, diretora do Sindicato dos Profissionais de Processos de Dados de Pernambuco (Sindpd-PE) e secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-PE, Liana Araújo, foi a terceira palestrante. O movimento sindical, disse ela, é “profundamente machista, um espaço que historicamente foi ocupado pelos homens”. Ela acrescentou que, “com muita luta é que a CUT tem conquistado espaços de representação feminina. Mas não é fácil”.
Liana Araújo reconheceu, porém, que “a CUT tem acertado, a partir do Congresso Nacional de 2015, com a política de andar junto com os movimentos sociais”. Essa união, relatou, trouxe outras pautas que não estavam contempladas no mundo do trabalho. “Se não andamos juntos com os movimentos sociais, ficaremos omissos. Por exemplo, na questão da violência contra a mulher. No mundo do trabalho tem violências. Não tem feminicídio, mas tem a violência em outras dimensões”. Das categorias trabalhistas, de acordo com Liana Araújo, apenas a dos aeroportuários têm pautas específicas sobre a violência contra a mulher.
“Já no período de pandemia, detectamos nas categorias um grande aumento de violência sobre as mulheres. A divisão social do trabalho, com sobrecarga, aumento das tarefas com o serviço remoto e o desemprego agravaram os problemas das mulheres. Não havia mais diferença entre ambiente de casa e o laboral. Com isso, observou-se um quadro de ansiedade, de insegurança, transtornos mentais, insônia e outros, mas sem poder recorrer ao INSS”, afirmou.
A socióloga Sônia Ribeiro da Silva foi a última a falar. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, ela é colaboradora na Comunidade Quilombola de Saruê e se diz “mulherista” africana. “Esse termo foi cunhado nos Estados Unidos, e é anterior ao feminismo”. Mulherista é um feminismo de mulheres negras. “Ele é um espaço social e político de luta das mulheres pretas, que já estavam no anonimato, lutando pela preservação dos seus corpos”. Para ela, não se discute o feminismo sem discutir o racismo. E citou frase da política Lelia Gonzales: “Não queremos ser recorte, mas ser reconhecidas como aquelas que organizaram as lutas sociais, econômicas, organizativas deste país”.
Ela falou sobre a África, sobre a vinda dos negros escravizados nos navios, e assegurou que, dentro dos barcos, as mulheres negras traçaram as primeiras estratégias de organização para quando os navios atracassem. “Os navios negreiros foram o primeiro espaço de estratégia das mulheres africanas fora da África”. Segundo Sônia Ribeiro da Silva, as mulheres trouxeram “essas referências organizativas, colaborativas, e vieram com o sentimento corporal de matriz, de mulheres”.
As mulheres negras, de acordo com a socióloga, são “a mola mestra de organização social, política e econômica do País”. Ela disse, ainda, que os terreiros foram espaços organizativos do povo negro. “Nós, mulheristas, queremos um pacto anticolonial, para desconstruir um conceito de cor neste País. É preciso que nós compreendamos a dimensão do racismo na sociedade brasileira. E assim, reconhecer que fomos nós que alicerçamos toda a riqueza, o arcabouço que a branquitude elitista que se privilegia hoje”. No final da audiência pública, Liana Cirne prestou homenagem lendo o nome de dezenas de mulheres e de organizações sociais que ela estava homenageando com o evento.
Em 25.11.2021.