Comissão de Grandes Eventos escuta especialistas da área de saúde
O debate ocorreu com sete especialistas, que se posicionaram sobre a ameaça de transmissão do vírus da covid-19 no Carnaval . Fizeram palestras o professor Adjunto de Clínica Médica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Carlos Brito; o mestre em medicina tropical pela UFPE e doutor em infectologia pela Universidade Federal de São Paulo, Luiz Arraes; o vice-presidente da Sociedade Pernambucano de Pediatria e membro do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Eduardo Jorge; o Cirurgião geral e coloproctologista, Maurício Matos; o biomédico e mestre em Patologia pela UFPE, André Silva; a médica especialista ginecologista e obstetrícia, Cláudia Beatriz; e o especialista em infectologia pela universidade de Paris, Demetrius Montenegro.
A Comissão Especial sobre a Retomada do Carnaval, São João e demais Grandes Eventos do Recife já ouviu a cadeia cultural, o setor econômico, e representantes de casas legislativas de municípios que realizam grandes carnavais no Brasil, para saber o caminho a se tomar. “Hoje, vamos ouvir o eixo da saúde, que pode nos orientar e assim permitir que apresentemos um relatório consistente no dia 21. Toda e qualquer tomada de decisão não pode ser feita na contramão do que a saúde nos orientar”, disse Marco Aurélio.
A reunião contou com a presença dos vereadores Ivan Moraes (PSOL), Tadeu Calheiros (podemos), Michele Collins (PP), Ana Lúcia (Republicanos), Eduardo Marques (PSB) e Alcides Cardoso (DEM). Marco Aurélio Filho, na abertura da reunião, passou a presidência dos trabalhos para Tadeu Calheiros, que também é médico. “De todas as reuniões que participamos, hoje é a mais confortável. São pessoas que se parecem comigo. Acho que, nesta Comissão, sou o único que já tinha posicionamento sobre o carnaval anteriormente divulgado, por ser médico”, disse Calheiros.
O vereador Ivan Moraes lembrou que desde o primeiro momento da pandemia de covid-19 é defensor da ciência e de quem produz conhecimento científico. “Mas temos um grande desafio. Muitas aglomerações já estão existindo com o aval das autoridades. Precisamos ouvir o que fazer, pois para proibir o Carnaval é preciso sabermos o que temos que fazer com as aglomerações que já estão ocorrendo hoje”.
Alcides Cardoso defendeu que “a ciência é quem deve dizer o que a gestão pública deve fazer no carnaval”. Ele considerou que os especialistas em saúde pública foram os participantes mais fundamentais dos trabalhos realizados até o momento pela Comissão. Ana Lúcia foi na mesma linha, disse que a saúde é o eixo basilar. “Sou árdua defensora da saúde. Mas compreendo a necessidade de que todos os envolvidos sejam ouvidos. Precisamos saber como fazer para não entrarmos num colapso grande como foi o isolamento”, disse.
A vereadora Michele Collins, que não é membro efetivo da Comissão, considerou que o tema carnaval “mexe com todos, com a economia, ciência, cultura e ser humano”. Ela disse que o tema é muito “preocupante porque a nossa cidade é a que tem o maior carnaval do mundo”. Ela entende que é preciso ter um equilíbrio para definir um protocolo dizendo o que deve ser aberto ou não, mas discorda da realização do carnaval.
O professor Carlos Brito, que é mestre em Medicina Interna e doutorado em Saúde Pública pela Fiocruz-PE, apresentou aspectos importantes sobre o carnaval: nada do que está acontecendo hoje, segundo ele, foi inesperado. “Todo futuro depende da cobertura vacinal. Mas temos uma grande desigualdade na vacinação”. Enquanto a imunização populacional estiver incompleta e não atingir 80% da população mundial, segundo ele, haverá novas variantes. Carlos Brito acrescentou que a preocupação com a realização do carnaval não é só por causa da variante ômicron, mas também por causa da delta. “A ômicron apenas agravou”.
Carlos Brito levou em conta, ainda, que a transmissibilidade da variante ômicron é superior a todas as outras variantes. “Além dessa situação, há indícios de que duas doses da vacina não são suficientes para produzir anticorpos suficientes por causa da ômicrom”. Ele observou ainda que também há incertezas de que os medicamentos usados para o tratamento da covid-19 talvez sejam insuficientes para o tratamento futuro. “São muitos os aspectos incontestáveis. É impossível se fazer o controle com qualquer tipo de aglomeração”, disse, lembrando que não há perspectiva de fim da pandemia e que a população continua em risco.
Em seguida, falou o infectologista Luiz Arraes, que é professor da UFPE e também membro do Comitê Científico do Consórcio do Nordeste. Ele pontuou que o comitê, desde o início de suas atividades, tem o papel de assessoramento aos governadores do Nordeste, mas “não tem o poder de mando”. O boletim mais recente da entidade, publicado no dia 3, segundo ele, “desaconselha fortemente as aglomerações e mostra o risco de realização de festa desde agora, no Natal. O risco, agora, já é de moderado a alto”
Segundo Luiz Arraes os ambientes fechados, assim como os abertos, que reúnam grande número de público oferecem o mesmo risco de transmissão do vírus. “Além disso, tanto a variante delta quanto a ômicron contaminam os nascinatos e essas pessoas são portadoras do vírus, ainda que não apresentem sintomas”. Ele afirmou que 10% da população do Recife ainda não tomou a segunda dose da vacina, o que é um dado de risco. “Nós temos que conviver com a vida, não com a morte”, disse.
Na sequência, falou o doutor Eduardo Jorge, que é membro do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria e integra os Comitês Técnicos de Assessoramento das Vacinas Covid da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco e do Ministério da Saúde(CTAI-Covid). “A ciência precisa ter uma aplicabilidade prática e dialogar com a comunidade”, comentou. Em setembro, segundo disse, antes da variante ômicron, os cientistas já vinham dizendo que era um absurdo se pensar na realização de carnaval para 2022, por causa da delta.
“Na época, havia um otimismo com a redução de internamento e morte. Mas carnaval é festa aberta, com milhões de pessoas e turistas do mundo inteiro participando no Recife. A capacidade de se desenvolver uma pandemia já era grande. E agora, temos a ômicron, que é muito mais transmissível. É uma festa que não se usa máscara, em que pessoas cantam, se beijam, bebem, e é impossível qualquer tipo de controle”, disse.
Eduardo Jorge revelou outras preocupações, como por exemplo, a social. “Carnaval é uma festa popular. Será um grave erro permitir que a classe média faça festas privadas alegando que está vacinada e que fez testes PCR. Isso é uma coisa que me inquieta. Essa pandemia só não foi controlada por causa da inequidade mundial. Como vamos estimular o carnaval diante de um cenário de incerteza?”, questionou.
O quarto especialista que falou foi Mario Jorge Lobo, representando o Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco, que fez um breve comentário sobre os apontamentos da ciência para o futuro próximo. "O Conselho de Medicina emitiu uma nota de alerta e conclamando as autoridades públicas a refletirem, debaterem e definirem os passos de proteção sanitária, à sociedade, e contra a disseminação do recrudescimento da variante ômicron, que nos traz tanta preocupação com a sua potência letal", disse.
Ele mencionou a realidade de comprometimento das estruturas de assistência de saúde do Estado. "Elas não põe só em risco os contaminados, mas também toda a população que necessita dessa assistência para todas as patologias que não deixaram de existir. Tivemos uma realidade de desassistência nesses últimos dois anos pela diminuição da capacidade do Estado de assistir todas as patologias, o que nos coloca em um alerta perene", salientou.
Por sua vez, o biomédico e mestre em Patologia pela UFPE, analista em Saúde no setor de Toxicologia do Laboratório Central (Lacen/PE) do Governo do Estado de Pernambuco, André Silva, comentou a advertência feita sobre a potencialidade da nova variante da covid-19. "Não estamos contra o carnaval, estamos contra a pandemia. Nós queremos que as festividades existam mas, para isso, precisamos dar um passo para atrás e depois dar outro para frente".
Para André Silva, a flexibilização do Plano de Convivência que permite eventos é um "retrocedimento equivocado". "O afrouxamento das questões sanitárias foram muito precipitadas, e isso já está repercutindo, como já estávamos preocupados com a delta, agora, tem a ômicron. Não ficarei surpreso se aparecer outra variante antes do carnaval. Seria de uma imensa irresponsabilidade permitirmos que qualquer tipo de evento cause aglomeração, deixando claro que a covid não é privada ou pública, o que interessa é se o evento causa aglomeração. Temos que estar preocupados com a saúde pública, senão a coisa pode agravar ao ponto de não ter mais carnaval. Será que as pessoas não compreenderam isso ainda?", questionou.
A médica especialista ginecologista e obstetrícia e também especialista em saúde da família, conselheira do Cremepe licenciada e presidente do Sindicato do Médicos de Pernambuco (Simepe), Cláudia Beatriz, disse estar dando voz a 21.500 médicos de Pernambuco que estão vivendo a maior situação de calamidade e crise sanitária ocorrida no mundo. "São dois anos que os médicos de Pernambuco vêm enfrentando essa pandemia, salvando vidas e lutando para que a gente possa, em algum momento, voltar às nossas vidas como era antes", afirmou.
"Para a vida voltar ao normal a gente precisa ter conhecimento e responsabilidade sobre as nossas ações e as dos outros. Esta Casa é o lugar mais específico que a gente pode estar trazendo esse pensar. Em nome dos médicos que se articularam, se mobilizaram e foram para o enfrentamento, a gente faz um apelo a quem pode politicamente decidir se vai ter ou não carnaval para que se pense muito sobre a decisão. Sabemos que a economia precisa voltar, mas sem saúde ninguém pode trabalhar", pediu a médica.
De forma emocionada, o diretor médico da Infecto Associados, chefe de triagem em doenças infecciosas do Oswaldo Cruz lembrou das 14 ambulâncias que fizeram fila para internar pessoas com covid-19 no Oswaldo Cruz e dos 200 pacientes internados simultaneamente no isolamento. "Tenho um conflito de interesse muito grande por estar aqui porque gosto muito de carnaval mas, infelizmente, muito do que aconteceu nesse tempo me impede de pensar com alegria no carnaval, porque só me lembro das 14 ambulâncias que ficaram em fila de espera para internamento no Oswaldo Cruz, dos quase 200 pacientes internados simultaneamente no hospital, que antes tinha 16 leitos de isolamento, e passou a ter 200".
O infectologista demonstrou bastante preocupação com o momento. "No começo, nós desconhecíamos a doença, e hoje desconhecemos as variantes que ainda não tivemos acesso, porque nos locais de baixa vacinação é onde existem muitas outras variantes. Não quero passar a noite em claro tendo que intubar pacientes, ligar para familiares para dar a notícia por telefone, de uma forma desumana porque não pode deixar as pessoas irem ao hospital. Não dá para vivenciar tudo isso de novo, dar um atestado e colocar um cheque em branco porque com esse vírus é inegociável. Todas as vezes que tentamos negociar, ele saiu ganhando de alguma forma", expressou.
Ao final da reunião pública, o vereador Marco Aurélio Filho (PRTB) afirmou que será entregue um relatório prévio ao Poder Executivo no dia 21 de dezembro. "Antes disso teremos uma audiência pública que será presidida pelo vereador Ivan Moraes, onde o Poder Público municipal e estadual estarão presentes para participar das deliberações conosco. Enquanto Casa Legislativa e Comissão, iremos fazer a nossa parte em apresentar um relatório onde todos os eixos foram escutados e, com muita responsabilidade, iremos apontar uma alternativa para o Executivo, e esperamos que essa alternativa seja acatada".
Em 13.12.2021