Comissão do Carnaval debate perspectivas da festa com Poder Executivo

“Vai ter Carnaval?” Esse foi o tema de uma audiência promovida na Câmara do Recife nesta quarta-feira (15), de forma híbrida. O debate, que tem em vista a pandemia de covid-19, partiu da iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL) e da Comissão Especial sobre a Retomada do Carnaval, São João e demais Grandes Eventos, presidida pelo vereador Marco Aurélio Filho (PRTB). Na ocasião, o secretário de Cultura da cidade do Recife, Ricardo Mello, e o presidente da Fundação de Cultura, José Manoel Sobrinho, falaram sobre o que tem sido feito pela gestão a respeito do tema e sobre as perspectivas de realização da festa.

Ao dar início à audiência, Marco Aurélio Filho contextualizou a agenda de debates realizados pelo colegiado. Após ouvir diversos setores a respeito da questão, a Comissão Especial vai elaborar um relatório que deve ser entregue à Prefeitura do Recife. “Já escutamos o eixo cultural, o eixo econômico e tivemos uma atividade interlegislativa inédita com outras Câmaras municipais. Por último, escutamos o eixo sanitário. Na audiência pública de hoje, escutamos o secretário de Cultura da cidade do Recife e o presidente da Fundação de Cultura. A Casa do povo é para isso mesmo: para ouvir as pessoas e apontar alternativas para o Poder Executivo”.

Ivan Moraes, que conduziu o restante da audiência, disse que aquela era uma oportunidade de compreender melhor a opinião dos gestores municipais da cultura. “Como carnavalesco, mas também como representante da população, já temia que o processo pandêmico pudesse causar danos irreversíveis ao Carnaval. Entendemos que a Prefeitura não está parada, esperando as coisas acontecerem. Sabemos que a Prefeitura tem se reunido com algumas pessoas. A nossa intenção com essa Comissão é ampliar a ouvida para somar elementos à decisão, que é do Poder Executivo”.

Moraes leu, ainda, trechos de uma nota técnica que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) elaborou para informar a decisão sobre a retomada do Carnaval no município do Rio de Janeiro e generalizada para outras cidades. Segundo a recomendação, seria necessária uma taxa de 80% de esquema vacinal completo da população para que a festa pudesse acontecer sem maiores riscos. Indicadores como a média móvel semanal, tempo a fila de espera para internação e porcentagem de testes positivos também devem ser levados em conta.

O vereador Chico Kiko (PP) frisou que a decisão sobre o Carnaval deverá ser feita a partir da escuta da sociedade e dos especialistas em saúde. “Estamos aqui porque a gente gosta de Carnaval e também gosta de proteger a saúde e de ter responsabilidade. Vai ser muito difícil fazer o relatório, mas também será difícil para quem vai tomar essa decisão, que é o prefeito do Recife. Conheço o prefeito João Campos e ele zela muito pela saúde do povo recifense. Eu sei da importância do Carnaval, mas temos especialistas passando informações para a gente. Não podemos ser irresponsáveis e tomarmos decisões sozinhos”.

A necessidade de ouvir os diversos interessados também foi a mensagem deixada pelo vereador Marcos di Bria Júnior (PSB). “Sou de Santo Amaro e também gosto de fazer Carnaval. Estamos aqui para ouvir e deixar um relatório favorável a todos”.

Vice-presidente da Comissão Especial, o vereador Alcides Cardoso (DEM) lembrou que as perspectivas apresentadas por integrantes da área da saúde na última reunião do grupo não foram favoráveis à realização do Carnaval. Ele refletiu, ainda, sobre a permissão para festas de Carnaval privadas enquanto os festejos de rua são proibidos. “O que ouvimos na última reunião foi muito contundente e está na hora de tomar uma atitude, sinalizar alguma coisa o mais rápido possível. Há movimentos tanto do lado popular, do Carnaval de rua, quanto dos carnavais fechados. Temos que ter muito cuidado para não escolhermos um lado. Se não der para um não dá para ninguém”.

A vereadora Dani Portela (PSOL) falou que, apesar das dificuldades do período pandêmico, é preciso considerar as recomendações científicas sobre a covid-19. A parlamentar não deixou de alertar para a ameaça de elitização representada por um Carnaval de festas fechadas. “Tem me assustado o risco de existir um Carnaval que segregue as pessoas em uma capital que é a mais desigual do país. Também não dá para não ter Carnaval e acontecer o que aconteceu no ano passado, sem uma política pública que atenda toda a cadeia produtiva que precisa ser alimentada o ano inteiro. O relatório desta Comissão vai refletir as vozes de setores diversos. Mas, sobretudo, é preciso que a gente tenha o compromisso de uma cidade mais justa e igualitária”.

Para o vereador Tadeu Calheiros (Podemos) manifestou uma posição contrária à realização do Carnaval, acrescentando que é preciso investimento público para salvaguardar os fazedores da cultura. Segundo ele, liberar festas privadas vai ter o efeito de incentivar outros tipos de aglomeração. “Ninguém está contra o carnaval, mas contra a covid-19. Enquanto estava todo mundo trancado em casa, foi a arte que levou tranquilidade e, talvez, sanidade mental para muitos. O artista não é vilão”, ressalvou. “Mas tive a oportunidade de conduzir o debate sanitário desta Comissão e ficou muito clara a preocupação. A festa é do povo, mas a responsabilidade está no que o poder público acena com os seus atos. Se liberar, não tem controle. Se há uma sinalização de que pode haver uma ‘camarotização’, acabou. Vai vir a pergunta: se pode isso, por que não pode aquilo? E vão estar certos. A reação vem em cadeia”.

Que Carnaval? – O representante do movimento de trabalhadores da música Acorde, Felipe Mendes, afirmou que a questão não é se vai haver um Carnaval – mas como adaptar uma manifestação tão importante para os pernambucanos à realidade do estágio atual da pandemia.

“Dada a realidade, não deveríamos nos perguntar se vai haver Carnaval ou não, mas o que vamos fazer com isso. O Carnaval é muito mais que uma festa e não é um gasto, é um ativo. Aquela semana de explosão é o resultado de um ano inteiro de trabalho e dedicação de uma cadeia produtiva que não é só econômica”, defendeu. “Os R$ 2 bilhões que o Carnaval movimenta por ano em Pernambuco não é o resultado de quatro dias de festa, mas do compromisso de vida de inúmeras pessoas. Quando falamos do Carnaval, falamos da vida de muita gente, sua renda, e também da nossa identidade. Estamos falando de algo que nos define como um povo”.

O presidente da União Pernambucana dos Afoxés, Fabiano Santos, mostrou-se preocupado com a adoção de parâmetros diferentes para festas privadas e para os festejos de rua. De acordo com ele, é preciso planejar formas de realizar com segurança o Carnaval popular.

“No dia 4 de fevereiro, teremos um show no Geraldão que já está com camarotes definidos, venda de ingressos, onde vai vender cerveja. O Geraldão é um equipamento público com uma festa particular. Se é para pensar no futuro e no dia 4 de fevereiro vai levar uma multidão para dentro de um espaço fechado, vamos ter Carnaval”, argumentou. “Temos que pensar qual é a identidade cultural deste Estado. Hoje, a grande lide é saber como vamos tratar os dois tipos de Carnaval: o fechado, com grandes investidores e atrações globais, e o Carnaval que dá a identidade desta população, com o frevo, o afoxé, o maracatu, o caboclinho, o coco e os brincantes. Precisamos agora estabelecer e regular qual o Carnaval vamos realizar. Inclusive, junto às autoridades sanitárias”.

Carnaval em que período? – O secretário de Cultura, Ricardo Mello, afirmou na audiência que, dentro das possibilidades jurídicas que as incertezas da pandemia trazem, o Poder Executivo do Recife faz preparativos com secretarias e demais Prefeituras para a eventualidade de realização da festa. “Nenhum de nós ouviu alguém da área da saúde se arriscar a antecipar um cenário possível para o final de fevereiro, início de março. Ninguém assume uma decisão como essa”, pontuou. “Criamos uma comissão interna na Prefeitura porque não dá para esperar uma decisão e começar a atuar. Temos que estar prontos. Não estamos garantindo que vai ter Carnaval, mas que vamos realizar um Carnaval se isso for possível”.

O gestor destacou, no entanto, que um Carnaval de 2022 não será como os anteriores. Mas sugeriu – destacando que essa ainda não é a posição institucional da Prefeitura – que a festa possa ser realizada em um período posterior à data marcada no calendário, como uma forma de garantir o caráter popular da folia. “Não vamos ter, provavelmente, um Carnaval como a gente conhece. Mas é muito pertinente a pergunta de como pode ser feito um Carnaval, porque ele não pode ser de poucos. O Carnaval que a gente conhece e deseja é o de todos”, disse. “Tenho refletido sobre a tese do adiamento do Carnaval. A minha premissa é que o Carnaval tem que trazer segurança para as pessoas para ser vivido como deve. Há uma proposta de adaptar o Carnaval ao período, mas por que não adaptar o período do nosso Carnaval?”

O presidente da Fundação de Cultura, José Manoel Sobrinho, fez uma defesa do fortalecimento das políticas públicas da cultura e da compreensão do Carnaval como um ciclo que dura o ano inteiro. “Precisamos pensar o Carnaval como uma manifestação do povo do Recife de todos os dias. Precisamos pensar o Carnaval como algo do cotidiano. Nesse sentido, é possível desatrelar esse calendário e pensar a possibilidade como política de cultura nos 365 dias do ano. É um grande desafio pensar o Carnaval de fevereiro, mas mais ainda pensar o boi, o maracatu, o afoxé, o frevo em um calendário anual”.

Sobrinho também salientou que a Cultura municipal se movimenta para a possibilidade de realização do próximo Carnaval. “A partir da escuta, estamos fazendo tudo o que poderíamos fazer do ponto de vista prático para a possível viabilidade do Carnaval: licitações, comissões de trabalho, concursos, encontros, programações prévias. Há um desejo enorme de fazer”, contou. “A expectativa que a gente tem é de respeitar a saúde e a vida das pessoas, mas também de respeitar os segmentos da cultura, entendendo a urgência que eles têm nos tempos de hoje”.

Em 15.12.2021