Inaldete Pinheiro recebe Medalha de Mérito José Mariano
“Além de uma querida amiga, Inaldete representa toda a força da negritude desse país, em tempos tão difíceis onde os direitos humanos estão sendo negados. Vivenciamos toda uma negação dos direitos das mulheres e pessoas negras, o patriarcado, tudo isso com consentimento de quem está presidindo no Planalto Central. Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, é com muita honra que entrego a Medalha de Mérito José Mariano à Inaldete Pinheiro”.
Nascida em Parnamirim (RN) em 11 de abril de 1946, Inaldete mudou-se para o Recife aos 20 anos para ingressar no curso de enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco, onde também fez o mestrado em serviço social. Com sua vocação de servir e amparar, ela dedicou 40 anos de sua vida à prática da enfermagem em grandes hospitais públicos do estado, como o Hospital de Câncer, Barão de Lucena e Restauração. Inaldete foi também uma das fundadoras do Movimento Negro em Pernambuco e militante incansável dessa causa. Em 1989 começou a escrever livros infantis, depois de perceber que não havia uma literatura feita por negros e negras que fosse para negros e negras. “Seu primeiro texto para o público infantil foi sobre o Sítio do Pai Adão (Pai Adão era nagô), em Olinda, onde foi fundado o primeiro terreiro de candomblé de Pernambuco. Com essa obra, Inaldete estimulou crianças que tinham medo de sofrer discriminação na escola a entender a importância de assumir suas convicções religiosas”, disse Cida Pedrosa.
Nessa batalha para valorizar negros e negras, a personalidade compôs novas versões para músicas conhecidas da cultura popular, mas que tinham viés preconceituoso, como Escravos de Jó – em sua versão, que valorizava a resistência, eles “faziam zig, zig, zás e fugiam para os quilombos”. Desde 1989, a autora já escreveu mais de uma dezena de livros no intuito de evitar o apagamento da história de sua gente e produzir memórias para as gerações futuras. “A minha literatura está associada a meus ancestrais, a preservar a memória e construir outras memórias. Meus livros são usados como instrumento de memória”, costuma dizer.
Cida Pedrosa enalteceu que a homenageada escreveu, ainda, sobre maracatus, baobás e produziu cadernos de poesias com temas diferentes, mas sempre relacionados à questão negra. “Por dar visibilidade a pessoas a quem, muitas vezes, é negado até o direito à vida; pela sua dedicação à enfermagem no Recife e pela valorização da cultura afro que promove em sua literatura e militância diária, Inaldete Pinheiro faz jus ao recebimento da Medalha de Mérito. Ela é um dos baluartes do Movimento Negro Unificado de Pernambuco. Que me despertou para o racismo estrutural e desigualdades entre negros e brancos. Eu devo à Inaldete a minha construção de diária de luta contra o racismo que está entre nós. Ela deve ostentar com dignidade a Medalha. É no peito de Inaldete que a Medalha é uma lembrança de que essa luta ainda não acabou”.
Após o discurso de Cida Pedrosa, Odailda Alves, escritora, fez questão de declamar textos de Inaldete. Uma apresentação de um vídeo musical trouxe uma saudação à homenageada. A vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, também, por meio de um vídeo, teceu palavras de elogios à homenageada.
Em seu discurso, Inaldete Pinheiro disse que na escola não se ensinava Direitos Humanos e lembrou da Declaração Universal. “É uma data tardiamente que conheci, na década de 70. Em 1948, os organismos internacionais se organizaram para escrever a Declaração Universal dos Direitos Humanos, dando direcionamento para nunca mais haver guerra, vivida na Europa, provocada pelos nazistas. Então eu digo que os direitos humanos têm capítulos muito fortes, traz sentimento de libertação, empoderamento e respeito para cada pessoa. Mas não foi escrito para nós, negros. Porque até hoje somos destituídos do Brasil, toda a população negra. No primeiro artigo da Declaração diz o seguinte: todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
Diante de tanta negação do racismo, Inaldete disse que escreveu: Como eu lhe devo um tostão, se minha vida foi ao seu serviço? Se fui uma mucama barbaramente violentada, se meu filho era um bastardo, se meu negro era um reprodutor para mais peças serem negociadas? Um negro para cada coisa: um negro para o cafuné, um negro para retirar a bota, um negro para abrir a porta, um negro para abanar, um negro em cada lugar para reproduzir luxo e riqueza. E eu tenho certeza de que só isso lhe interessava (...). Eu nada lhe devo. Não!”.
Os corpos da travessia, nos navios negreiros, na época da escravidão, foram lembrados com emoção por Inaldete. “Aquelas mulheres grávidas jogadas no navio negreiro tiveram os seus filhos e eles continuaram e nos salvam todos os dias nas águas do Atlântico. Por isso é que a gente é militante do movimento negro, pelos Direitos Humanos e pela liberdade. Com essa alegria, sentimento e emoção digo Axé para cada um de nós e um agradecimento profundo que honre esse momento com minha história. Dou graças à vida. Muito obrigada e vamos continuar florescendo, frutificando e amando conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Ao finalizar a reunião solene, a vereadora Dani Portela confessou estar muito feliz em participar de um momento tão significativo. “Muito me emociona, eu, uma mulher negra e vereadora dessa cidade, ter a honra de receber Inaldete nessa Casa. Inaldete, você é patrimônio, história e resistência. Convido a todos e todas para lerem Inaldete e demais escritoras negras. Aqui, hoje temos que comemorar, parabenizar a iniciativa de Cida Pedrosa para seguir resistindo com versos, ações e qualquer espaço em que estejamos”.
Em 10.12.2021