Reunião pública coloca aumento das passagens de ônibus em debate
Caso seja aprovada, a mudança vai elevar a tarifa do Anel A – a mais utilizada do sistema – de R$ 3,75 para R$ 4,10. A proposta do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE), por sua vez, sugere um aumento de 22,67%, o que faria a passagem chegar a R$ 4,60. Já a Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco (FLTP) pleiteia uma redução que faria a tarifa do Anel A ser estabelecida em R$ 3,43.
Antes de dar início às discussões, Liana Cirne tratou dos principais pontos que envolvem o transporte público no Grande Recife. A necessidade de auditar a bilhetagem registrada pelas empresas, a falta de fiscalização do uso de máscaras no transporte público e os problemas da redução frota foram alguns dos temas levantados pela parlamentar. Ela defendeu, ainda, o subsídio público da tarifa, que já é praticado em Pernambuco, e a transparência dos valores desse mecanismo.
No discurso, Cirne frisou a ideia de que o transporte público é um direito social fundamental, garantido pela Constituição da República. “Quando falamos de transporte público, estamos falando de um assunto que mexe diretamente com o dia a dia da classe trabalhadora e dos estudantes. Sem o direito ao transporte, as pessoas ficam limitadas no seu direito de ir a vir. Sem esse direito, não há o exercício pleno da cidadania”, disse. “Uma série de outros direitos dependem do transporte. Não utilizamos o transporte apenas para trabalhar, mas para acessar o direito ao lazer, à cultura, dentre tantos outros. A exemplo de um direito que é muito importante para o nosso mandato, o direito à cidade. A cidade é para ser usufruída por todas e todos”.
Membro da diretoria dos empregados do CSTM, o assistente de transporte Anderson Botelho fez uma análise das dificuldades estruturais do Conselho. De acordo com ele, a entidade – que substituiu a antiga Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos e deveria reunir todos os municípios atendidos pelo transporte metropolitano – hoje conta apenas com a participação do Estado de Pernambuco e dos municípios do Recife e de Olinda. “Atualmente, o CSTM é um órgão fraco, que não tem mais receita própria. Todo o investimento está vindo do Tesouro Público do Estado. Fica claro que não conseguimos ter estratégias de planejamento capazes de diversificar a receita do órgão que financia o transporte, que é o que fazem todas as cidades no mundo que têm um transporte avançado. Então todos os anos passamos pelo processo do aumento de passagens”.
Para que houvesse essa diversificação, Botelho sugeriu não só a contribuição dos municípios atendidos, mas o direcionamento das receitas da Zona Azul, o controle público do sistema de bilhetagem – hoje gerido pelo Sindicato das Empresas –, e a ampliação da integração temporal, o que poderia liberar terminais integrados para a geração de receitas.
“Chegamos a uma situação em que nem a sociedade, nem o overno, nem o órgão gestor consegue arcar com os custos do transporte. É preciso coragem e capacidade de planejamento para pensar como esse transporte será financiado daqui para a frente”, acrescentou. “Neste ano, com a sociedade penalizada pela pandemia, pelos acordos salariais abaixo da IPCA, pelos aumentos abusivos da Petrobras sobre o combustível, terá que se chegar a alguma nova forma de acordo. O Governo terá que arcar com uma parte, os empresários com outra e, talvez, a sociedade também que arcar”.
Representante dos usuários do sistema de transporte público no CSTM, o advogado Pedro Josephi afirmou que a FLTP, da qual participa, corrige a tarifa pelo aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que não foi observado nos aumentos recentes da passagem. Além da redução do preço cobrado no Anel A, a Frente sugere a extinção do Anel B. “Nós, da sociedade civil, propusemos uma redução da tarifa para R$ 3,43. Se fizéssemos um cálculo do IPCA de 2015 para cá, teríamos a tarifa nesse valor”.
Josephi considerou, ainda, que o modelo de remuneração das empresas do setor, construído quando o país possuía uma capacidade financeira melhor, precisa ser modificado. “. O modelo de licitação que foi feito é draconiano porque garante um equilíbrio econômico-financeiro em que, se há queda de demanda, quem tem que custear é o usuário trabalhador, independente da qualidade do serviço, com exceção daquilo que é subsidiado. Temos um problema no modelo remuneratório – uma equação que não é simples, de subsídios fiscais da ordem de R$ 250 milhões por ano e o cálculo em cima da tarifa”.
O membro do Conselho avaliou, ainda, que há problemas na regulação do serviço. Ele cobrou que o Sistema de Monitoramento da Operação (Simop), contratado para dar mais transparência à gestão do transporte feita pelas empresas, saia do papel. “A cada ano, narramos no Conselho Superior de Transporte todo o problema das superlotações, dos terminais integrados sucateados. O Simop foi licitado em cerca de R$ 43 milhões, um contrato custoso para o Estado, e não tivemos ainda a entrega concreta para a população. A partir do Simop, o Estado vai poder avaliar se os subsídios que são dados são necessários ou se há um mascaramento de despesas e receitas”.
Críticas - O secretário-geral do Sindicato dos Rodoviários do Recife e Região Metropolitana do Recife, Josival Costa cobrou a realização de um estudo que impacte na melhoria do trânsito e do sistema de transporte público. “Falta interesse público para melhorar o sistema de transporte. Não conheço nenhum projeto que coloque como prioridade o sistema de transporte público na Região Metropolitana”. Ele afirmou que, por falta de investimentos nos transporte e trânsito, o trabalhador perde até quatro horas diárias dentro de um ônibus. Ele lembrou ainda que, apesar de os empresários dos ônibus reclamarem das receitas, demitiram cerca de 7 mil cobradores nos últimos anos. Em algumas linhas, o motorista é quem tem que fazer também o papel de cobrador. “Os empresários deixaram de pagar os salários a esses trabalhadores e,no entanto, não investiram em tecnologia para oferecer um bom serviço à população”, disse.
A estudante de Geografia na Universidade Federal Pernambuco e diretora Executiva do Diretório Central dos Estudantes (DCE), da UFPE, Maria Elaine da Silva, disse que o movimento de estudantes já vem realizando reuniões plenárias para discutir a mobilidade urbana e o reajuste das tarifas. Ela lembrou que a pauta de transporte público é importante porque o preço da tarifa é determinante para quem estuda. A maioria dos estudantes, segundo ela, é formada por pessoas de baixo poder aquisitivo. “Historicamente, fazemos enfrentamentos, inclusive com a polícia. A universidade colabora com a sociedade, mas essa mesma sociedade não se lembra do grau de dificuldades que é, para um jovem, se manter dentro dos cursos”.
Maria Elaine da Silva também afirmou que os estudantes estão conversando bastante não só sobre as tarifas, mas também sobre o problema da superlotação, a demora das linhas e o desconforto dos veículos. Ela levou à reunião pública a questão de gênero no transporte público e disse as estudantes não se sentem seguras nos ônibus que transitam entre as universidades das cidades da Região Metropolitana. “Não há segurança quando as mulheres ficam esperando os ônibus nas paradas e nem dentro dos transportes públicos. Muitas estudantes são importunadas sexualmente dentro dos ônibus”, lamentou. Ela lembrou ainda que o governador Paulo Câmara prometeu, em campanha política, a adoção de uma tarifa única para estudantes de R$ 2,15 e que até hoje não implementou.
Aumento - De forma remota, participou da reunião pública o diretor de Operações do Grande Recife Consórcio de Transporte, André Melibeu. Apesar dos diversos enfoques abordados na reunião, ele procurou se ater ao tema da recomposição tarifária. Falou que a proposta de aumento das tarifas é de 9,69%, mas que mesmo esse percentual só está sendo possível graças ao apoio que o CGR vem recebendo do Governo do Estado, que saiu em socorro das empresas no ano passado e concedeu um subsídio direto parcial, para compras de créditos (vale-transporte) antecipados, o que manteve o nível de serviço.
Se não for possível haver o reajuste de 9,69%, segundo André Melibeu, o governo mais uma vez terá que aportar cerca de R$ 200 milhões para manter funcionando o consórcio de transporte. O que, dificilmente ocorrerá, disse ele, por falta de condições fiscais. “Quero registrar, no entanto, que eu não conheço nenhum estado que tenha dado um aporte maior do que o de Pernambuco. O aumento proposto é alto, mas há um esforço fiscal que jamais ocorreu por parte do Governo. Foi viabilizado com muita dificuldade”, reconheceu.
De acordo com André Melibeu, esta é uma tarifa técnica, pois se baseia em cálculos feitos em novembro de 2021. “A tarifa é o retrato de um momento. Nesse caso, o momento de cálculo foi novembro de 2021”. Atualmente, disse ele, acumula-se ainda um aumento de mais de 60% no óleo diesel, aumento da inflação e redução de número de passageiros transportados. Mas, segundo ele, a partir do reajuste, o sistema poderá buscar uma frota de até 2.440 veículos nas ruas. “Este ano, tivemos uma oferta de serviço de 90% da frota de ônibus, mas a demanda de passageiros chegou a 75%”.
O diretor de Operações no Grande Recife Consórcio de Transporte fez um breve histórico e disse que os problemas financeiros do sistema de transporte vêm se acumulando desde março de 2020. Com o surgimento da pandemia, disse, houve uma grande escassez de ônibus para operar as linhas e a queda de demanda de passageiros chegou a 70%. Em 2021, segundo afirmou, registrou-se uma melhora na circulação dos ônibus, devido aos investimentos do Governo do Estado, que subsidiou cerca de R$ 100 milhões de vales-transportes. “Cerca de R$ 50 milhões já foram utilizados. Se vier o reajuste, poderemos ter o incremento da frota”.
A vereadora Liana Cirne considerou que a reunião pública foi rica do ponto de vista técnico e narrativo. “Sofremos com as políticas que são insensíveis para com impactos que sabemos que ocorrerão”. Ela afirmou, ainda, que a reunião do Conselho Metropolitano vai ocorrer nesta sexta-feira, às 8h, e que será feita uma síntese da fala de todos os participantes da reunião. “Vamos registrar o documento no Diário Oficial, como ato da Câmara Municipal do Recife. É crucial que esta reunião publica se faça presente nem que seja de forma simbólica na reunião de amanha”.
Em 10.02.2022.