Audiência pública discute Parque da Tamarineira e futuro do Hospital Ulysses Pernambucano

Aguardado pela população desde 2011, o Parque da Tamarineira não saiu do papel até hoje. Localizado em um terreno onde funcionam diversas unidades de saúde – dentre elas, o Hospital Ulysses Pernambucano –, o futuro equipamento de lazer foi alvo de uma audiência pública promovida pela Câmara do Recife nesta terça-feira (29). O debate, proposto pelo vereador Tadeu Calheiros (Podemos), se concentrou na necessidade de manutenção dos leitos de emergência psiquiátricas oferecidos pelo Hospital e nas cobranças para que o Poder Executivo municipal se atenha ao projeto inicial do Parque.

Por meio de uma apresentação digital, Calheiros traçou um panorama histórico do plano para que o terreno, localizado na Zona Norte do Recife, se tornasse um parque – e não um shopping center, como chegou a ser cogitado por volta de 2010.

Com as pressões da sociedade, a Prefeitura promoveu uma consulta popular que decidiu pela construção de uma área de lazer. Com isso, o Executivo lançou em 2011 um concurso público para definir o projeto arquitetônico do local, que resultou em um projeto executivo de R$ 2 milhões, já pagos pelos cofres públicos.

No entanto, segundo Calheiros, além dos atrasos na execução da obra há normativas recentes da Prefeitura que entrariam em conflito com o projeto selecionado no concurso. O parlamentar citou como exemplo um decreto editado em 2020 que autorizaria construções de até 24 metros – o equivalente a edifícios de sete andares – na área, o que provocou a instauração de um inquérito pelo Ministério Público em 2021. Também no ano passado, foi lançada uma nova licitação pela Prefeitura para a elaboração de projetos executivos de arquitetura, paisagismo, infraestrutura e complementares de engenharia para o Parque, o que resultou em um contrato de R$ 314,7 mil com uma nova empresa.

Na audiência, Calheiros ressaltou a necessidade de seguir o plano original, que alia um equipamento de lazer à preservação de serviços de saúde e de sua história. No local funcionam, além do Hospital Ulysses Pernambucano, do Governo do Estado, o Hospital de Pediatria Helena Moura, gerido pela Prefeitura, e o Centro de Prevenção, Tratamento e Reabilitação de Alcoolismo (CPTRA), também do Executivo municipal.

“Já temos uma resposta do que o povo do Recife quer para aquele local. É para transformar em um parque, respeitando os espaços culturais relacionados à saúde mental e com a adequação e convivência com os serviços de saúde existentes. Há um preocupação ambiental e cultural do prédio do Ulysses Pernambucano e uma preservação da assistência de saúde prestada para a população”, afirmou.

O vereador Alcides Cardoso (sem partido) também participou do debate. Ele criticou as gestões atual e anteriores pela morosidade na entrega do Parque. “Nada avançou. A Santa Casa de Misericórdia, dona do terreno, desistiu de doá-lo à Prefeitura do Recife. A Prefeitura precisa explicar como vai ficar o projeto com a desistência da doação, fruto da incompetência das gestões do PSB e do PT. A gestão [atual] tem que informar um novo cronograma de projetos”.

Por sua vez, o vereador Ivan Moraes (PSOL) salientou a luta para que o terreno não fosse transformado em um shopping center, criticou a possibilidade de construção de edifícios no local e fez uma reflexão sobre a manutenção dos leitos psiquiátricos do Ulysses Pernambucano. ”O decreto [de 2020] possibilita a construção de edifícios naquele terreno, o que não tem nada a ver com o Parque. E agora, recentemente, há notícia de que há uma nova contratação, para um novo projeto. Isso é mau uso de dinheiro público e põe em questão o que foi determinado na luta pela construção do parque e de serem preservadas as condições para as pessoas que são atendidas ali”.

O presidente da Associação Médica de Pernambuco, Bento Bezerra, levantou preocupações sobre o destino e o uso do edifício histórico do Hospital Ulysses Pernambucano. “Alguns colocam que o hospital é velho e que seria melhor derrubar e fazer outro. Somos contra essa atitude. É uma visão que não se coaduna, por exemplo, com o que se faz na Europa, em que se reforma e se atualiza. O que fazer com os pacientes? São 115 leitos que prestam assistência referenciada. O hospital tem um papel formador, mais de 500 alunos passam por ali [a cada semestre]. O seu arquivo médico é motivo de estudo por historiadores”.

Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde, do Ministério Público de Pernambuco, o promotor Édipo Soares defendeu a manutenção de leitos de emergência psiquiátrica. Ele lembrou que, embora se tenha abandonado o modelo de atendimento psiquiátrico manicomial, que faz parte do passado do Hospital Ulysses Pernambucano, o equipamento fornece hoje um atendimento de emergência que seria essencial. “Em que pese sermos um instrumento de desinstitucionalização, compreendemos o papel que os hospitais [psiquiátricos] desempenham na estrutura de um sistema de saúde. Isso não é uma coisa a ser feita a toque de caixa, principalmente em se tratando de uma grande urgência psiquiátrica que atende todo o Estado. Temos um descompasso entre a rede substitutiva, que não acompanhou o processo histórico de fechamento dos hospitais”.

A presidente do Sindicato dos Médicos de Pernambuco, Claudia Beatriz Andrade, foi outra a salientar que a defesa do Ulysses Pernambucano não é o mesmo que a defesa do modelo manicomial. Ela se manifestou, ainda, pela preservação da estrutura arquitetônica do hospital. “Não estamos fazendo a defesa da institucionalização e da internação, mas temos que olhar a rede como um todo. Esses 115 leitos são essenciais aos pacientes que precisam ser protegidos e tratados quando em surto”, pontuou. “Historicamente, é um prédio que tem uma simbologia e um efeito arquitetônico. Quando a gente sai deste Estado e deste País, vemos que todo mundo olha para as suas raízes buscando preservar ao máximo. E a gente, por vezes, deixa depreciado e mal conservado”.

O diretor primeiro-secretário da Sociedade de Psiquiatria de Pernambuco, Frederik Lapa Filho, foi outro a se posicionar pela manutenção do Hospital. “O que norteia a nossa preocupação é o futuro dos leitos hospitalares em psiquiatria, que por mais de uma centena de anos têm funcionado no Hospital Ulysses Pernambucano. Assim como o futuro do hospital em si, um dos hospitais históricos da medicina pernambucana. Para certos pacientes, em certos momentos da sua trajetória de adoecimento, é exatamente com o uso desse recurso extremo, mas imprescindível quando bem indicado, que os poupamos de se colocarem em iminente risco para si mesmos e para os demais. Nesse sentido, o Hospital Ulysses Pernambucano desempenha um papel fundamental”.

Já a diretora do Hospital Ulysses Pernambucano, Ruth Bonow Theil, comentou as dificuldades estruturais enfrentadas pelo edifício atualmente, sem deixar de frisar a sua importância histórica. Ela destacou que não existem mais internações de longo prazo no local. “Hoje, o Ulysses é referência para pacientes graves e tem a garantia de uma equipe bem preparada. A nossa maior dificuldade é a estrutura física comprometida. A possibilidade do Parque da Tamarineira nos possibilitou a esperança de que fosse construído um novo prédio, mais adequado às necessidades atuais do hospital. Não podemos negar toda a história do hospital e de toda aquela área”.

O representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Augusto Ferrer, indicou que abandonar o projeto original do parque significaria desconsiderar o processo de participação que resultou no concurso. “É através do concurso que vamos ter uma gama maior de propostas, participando arquitetos do Brasil inteiro, com visões diferentes da mesma problemática. Criamos os projetos para eles criarem aquilo que seremos como sociedade a partir do que concordamos em construir. Esse concurso foi fruto da movimentação da sociedade. Eu não vejo uma justificativa para excluir todo esse processo e colocar um projeto que não teve todo esse histórico de participação”.

Manutenção da atenção psiquiátrica – O Poder Executivo Estadual também se fez presente na audiência. De acordo com uma de suas representantes, a diretora-geral de Assistência Regional Alessandra Cabral, o Governo do Estado entende os serviços do Hospital Ulysses Pernambucano como “estratégicos”. “Do ponto de vista do prédio, é uma estrutura que demanda um grande esforço na sua manutenção. São seis hectares de área e um prédio antigo, que precisa de investimentos. Do ponto de vista da Secretaria de Saúde, o que posso colocar é a relevância do serviço de psiquiatria nessa unidade, que é o que temos como referência para pacientes graves. O Hospital Ulysses Pernambucano é um braço extremamente importante da assistência do Estado de Pernambuco”.

O diretor de Saúde Mental do Estado, João Marcelo Costa, destacou que o Governo atua no sentido da desinstitucionalização do atendimento psiquiátrico. “Em Pernambuco, tínhamos um parque de estruturas hospitalares que concentravam um grande número de leitos psiquiátricos. O Governo [Federal] que está aí se posiciona de forma contrária à reforma psiquiátrica, e por trás disso está o hospital psiquiátrico pautado pela lógica manicomial. O Estado de Pernambuco vem fazendo um enfrentamento pelo processo de desinstitucionalização de todas as pessoas, pela possibilidade de retomar vínculos sociais comunitários e, sobretudo, com uma nova rede de cuidados. A internação em saúde mental sempre vai existir, mas não podemos mais permitir nenhum violação de direito possa ainda acampar no campo da saúde mental”.

Prefeitura explica alterações – O Gerente de Assistência Hospitalar da Prefeitura, Valter Peixoto, falou sobre o funcionamento do Hospital de Pediatria Helena Moura, gerido pela Prefeitura. De acordo com ele, as alterações no projeto do Parque não vão afetar o equipamento. “A nossa preocupação é em relação ao atendimento em pediatria naquela região. Já temos a garantia de que o Hospital Helena Moura não vai sofrer nenhuma interferência do projeto. Vamos continuar fazendo os atendimentos ali”.

O CPTRA, no entanto, deve deixar de funcionar no local. A informação foi levada à audiência pelo secretário-executivo do Gabinete de projetos especiais da Prefeitura do Recife, Wesley Morais, que explicou os principais motivos que levaram a Prefeitura a contratar uma empresa para adaptar o projeto inicial do Parque.

De acordo com o gestor, o terreno sofreu diversas alterações desde a conclusão do projeto, como ocupações irregulares de moradia e comércio – o terreno hoje contaria, inclusive, com um gatil informal que abriga cerca de 200 felinos. Além disso, houve diversas alterações normativas e surgiu a necessidade de avaliar a necessidade de desmatamento prevista no projeto original, considerada excessiva pela Prefeitura.

Morais afirmou que a retirada das unidades hospitalares nunca constaram nos planos do Executivo municipal. “Em nenhum momento foi pensada a remoção das unidades hospitalares. As modificações no projeto foram devidas a questões ambientais, a algumas inexequibilidades parciais, e a questões normativas. O gatil foi estudado. A questão da historicidade, com o museu [no Hospital Ulysses Pernambucano], iria ser continuada”.

O diretor-executivo frisou que as movimentações recentes da Prefeitura, incluindo o novo projeto, são no sentido de apenas atualizar o projeto a novas necessidades a partir de um conceito elaborado pela própria Prefeitura, não havendo previsão de edifícios no gabarito indicado pelo decreto de 2020. “Ao longo do ano passado, a Prefeitura realizou uma série de estudos com base nas adaptações necessárias ao projeto inicial, como um levantamento sobre a real necessidade de desmatamento da área, avaliações e negociações sobre a realocação do CPTRA e do gatil, além de análises relativas ao saneamento da área”.

Em 29.03.2022