Audiência pública discute situação do Hospital da Mulher do Recife

“A situação do Hospital da Mulher do Recife”, foi o tema de uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal, presidida pela vereadora Michele Collins (PP). Ela disse que vem acompanhando notícias sobre problemas na unidade, referindo-se à superlotação, ao pedido de demissão em massa protocolado por 32 médicos, bem como a falta de insumos. “Por isso, resolvemos ouvir todos os lados neste debate, em busca de soluções”. Participaram do encontro, realizado nesta segunda-feira (14), no plenarinho e via videoconferência, representantes do Hospital e de entidades representativas da categoria.

“O Hospital da Mulher é uma referência e é muito importante para a nossa cidade”, disse Michele Collins. Ela destacou, também, a importância da formação de equipes multidisciplinares, que contam com profissionais de enfermagem e técnicos, bem como a boa estruturação das unidades, para que os profissionais possam trabalhar da melhor maneira.

O vereador Ivan Moraes (PSOL), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, abordou a necessidade do debate que teve origem com o pedido, em fevereiro deste ano, do afastamento de 32 médicos obstetras do Hospital da Mulher do Recife (HMR). Ele afirmou que a unidade em pouco tempo já se tornou uma referência no Estado, mas acredita que seja necessário a descentralização do parto, com criação de unidades específicas para o parto para evitar a superlotação.

Outro parlamentar a tecer considerações, foi o vereador Tadeu Calheiros  (Podemos) que é médico do Sistema Único de Saúde (SUS), há quase 30 anos. Ele ressaltou que vem acompanhando a situação do Hospital junto aos médicos, ao Ministério Público e outros órgãos representativos da categoria. Falou da sua experiência na medicina, ressaltando a importância dos outros profissionais da equipe. Já o vereador Alcides Cardoso (DEM) afirmou que a audiência aborda um tema muito sensível para a cidade e disse acreditar que todos têm interesse em resolver os problemas.

Situação dos médicos – Dentre os convidados, a primeira a falar foi a diretora regional do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), Ana Carolina Oliveira Tabosa. Ela fez um relato do início do processo de reivindicação dos médicos por melhores condições de trabalho e melhor atendimento à população de gestantes. “Em junho do ano passado fizemos escuta ativa dos obstetras que nos trouxeram várias demandas, seja por plantões desfalcados com escalas incompletas, seja pela falta de equipamentos e medicamentos, como antibióticos”. Disse que um plantão que deveria ter cinco obstetras, por exemplo, costumava ter apenas dois profissionais.

Contou que, em seguida à escuta ativa, o Simepe buscou fazer reuniões para recompor escalas. “Demandamos o Ministério Público que solicitou um posicionamento do Cremepe - que realizou uma fiscalização em fevereiro e encontrou uma série de problemas”. Além da questão das escalas incompletas, Ana Carolina Oliveira Tabosa, abordou sobre a superlotação e, sobretudo, fez menção à depoimentos de médicos da unidade que apontam para uma situação de estresse e medo. “Por não saber como será o plantão. Por pensar que podem ser agredidos devido à tensão no local”. Ela afirmou que ouviu relatos da incidência da Síndrome de Burnout pelas situações desgastantes de trabalho.

A representante do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco  (Cremepe), Verônica Galvão Freire Cisneiros, relatou que participou da fiscalização no dia 14 de fevereiro no Hospital da Mulher do Recife. Segundo ela, uma autarquia federal tem alguns trâmites a serem cumpridos. Afirmou que dentre os problemas verificados, o de maior impacto são as escalas incompletas e a organização dentro da unidade.

Relatou que uma sala de observação que tinha sete leitos, foi ampliada para 12 ou 13 atendimentos, aumentando o número de leitos com cadeiras. Falou, ainda,  que enfermarias que deveriam ter um leito ou dois, tinham quatro ou cinco. Outro ponto, segundo a conselheira do Cremepe é que mais de 60% das pacientes do HMR eram de parturientes de fora do Recife. “Tudo o que foi constatado tem um prazo e o Hospital da Mulher está dentro do prazo para corrigir as irregularidades”, afirmou.

Hospital da Mulher – A diretora do Hospital da Mulher do Recife, Isabela Coutinho, relatou a situação enfrentada pela unidade por conta da pandemia de covid-19. Não só pela carga de estresse provocada pelo trabalho, como pelo aumento da demanda de parturientes, porque outras maternidades passaram a atender apenas casos de covid-19.

“Eu quero dizer que enfrentamos uma pandemia, estamos afetados pela covid-19. Implantamos na primeira onda 208 leitos e, depois, 54 leitos de UTI”, relatou. Conforme a diretora, o cenário pandêmico também contribuiu para um grau de estresse e cansaço generalizado dos profissionais de saúde

Ela lembrou que o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) foi fechado no período de maior incidência de casos de covid-19 e toda demanda daquela unidade foi absorvida pelo Hospital da Mulher. ”Abrindo o Imip, em novembro,  percebemos uma queda no atendimento da gente. Na emergência caiu 24% e para parto de 22%”, relatou.

Diminuir a superlotação é um desafio que Isabela Coutinho disse ser muito importante no momento. “Recebemos pacientes do Recife, da Região Metropolitana e do interior do Estado”, disse, explicando que o Hospital da Mulher é uma referência e, portanto, muito procurado.

“Temos feito uma força tarefa. Estamos no processo de seleção aberta, para que os médicos venham para o Hospital, pedimos colaboração e sensibilidade para atrair médicos para a unidade”, afirmou. “Contratamos médicos diaristas para a observação, para aliviar o trabalho dos plantonistas”.

“Não nos falta esforço e boa vontade de acertar, promovendo um ambiente de trabalho bom para todos. Nós temos responsabilidade. Se fossemos fechar as portas para as mulheres onde elas poderiam ser atendidas?”, questionou. Sobre a denúncia da falta de material para o trabalho, a diretora do HMR disse que a questão já foi resolvida. “Aconteceu esporadicamente. Aqui não faltam insumos”, afirmou.

A opinião foi compartilhada pelo secretário Executivo de Regulação Média e Alta Complexidade, Aristides Oliveira, que representou a Secretaria de Saúde do Recife na audiência. Ele frisou que está em curso uma seleção e os esforços para melhorar as escalas de plantões têm surtido efeito. Disse, também, que o HMR é referência pelo modelo focado na humanização. “É um hospital que dispõe de uma equipe técnica muita aguerrida e competente oferecendo um trabalho de excelência para as gestantes que chegam”.

Ele destacou que é preciso discutir o atendimento em todo o Estado, pois o HMR recebe gestantes de todo o Estado. “De fato vem passando por esta dificuldade de superlotação. Sabemos que 34% das mulheres atendidas são recifenses, as demais são de outros municípios”. Por isso, afirmou, a Secretaria tem dialogado, propondo fazer um dimensionamento com os outros hospitais para que não ocorram encaminhamentos desproporcionais das unidades. “O esforço da gestão [da Secretaria de Saúde] e da gestão do HMR tem dado bons resultados”.

Outra questão debatida, sobre a enfermagem, foi abordada pela representante da  Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiras Obstetras - Regional Pernambuco (Abenfo-PE), Joana Silva de Barros. Ela apresentou a necessidade da presença desses profissionais nas equipes multidisciplinares, recomendada, inclusive, pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Em equipes multidisciplinares – um complementa o outro. Quais são esses profissionais que partilham deste desfalque de escalas?”, questionou. “Com a ênfase do HMR no alto risco, a enfermagem obstétrica também sofre com os impactos dos plantões superlotados”, lamentou.

A coordenadora do Comitê Estadual de Estudos da Mortalidade Materna de Pernambuco, Regine Blander, explicou que o movimento de mulheres pleiteia há muito tempo mudar o modelo obstétrico, pois considera que o trabalho de parto envolve tempo. Ressaltou a necessidade de um efetivo de profissionais da enfermagem e lamentou que a questão da superlotação em maternidades do Estado, venha de muitas décadas.

Ela elencou que o Recife é bem melhor estruturada que outras cidades da Região Metropolitana e do interior, recebendo uma maior procura de pacientes destes locais. Mas, questionou através de números o comprometimento das outras cidades para atenderem às suas parturientes.

“Jaboatão dos Guararapes exporta quatro mil nascidos vivos no município do Recife. Olinda, mais de dois mil nascidos vivos no Recife”, disse, questionando o elevado percentual de mulheres com indicação de parto de alto risco que são encaminhadas para a capital. “Em Jaboatão são 29% de risco; Olinda, 37%. Em Paulista são 29%; Camarabige 38% de alto risco. Como isso é possível?”, perguntou. Ela afirmou que a OMS prevê que há números de 15% de parto de alto risco. “São muitas gestantes destas cidades que procuram o SUS do Recife”, ressaltou. “Como está sendo feita a atenção básica, o pré-natal nestes municípios?”.

Encaminhamentos – Ao final da audiência pública, a vereadora Michele Collins disse que a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara vai continuar acompanhando a situação do Hospital da Mulher do Recife. Destacou que haverá uma reunião em breve no Ministério Público e será acompanhada pela Casa. Ressaltou que é um acompanhamento de forma coletiva, de toda a Casa, pois “saúde é para todo mundo, para todos nós” e a intenção é fortalecer a unidade cada vez mais. 

Em  15.03.2022