Audiência pública trata de nomeações de servidores para a saúde municipal
A discussão também teve, como pano de fundo, os limites impostos pela lei complementar 173/2020, do Governo Federal, para nomeações entre maio de 2020 e dezembro de 2021, em decorrência da pandemia de covid-19. Nesse período, mesmo tendo um concurso vigente, a Prefeitura poderia nomear para cargos efetivos apenas em caso de vacância de cargos já existentes.
No início de 2022, com o fim dos efeitos da lei complementar 173, a gestão municipal anunciou a nomeação de 483 profissionais no primeiro semestre deste ano, dos quais 258 foram convocados até o momento.
O primeiro dos parlamentares a falar, Ivan Moraes, lembrou que o debate desta quinta-feira é a consequência de diversas ações, como pedidos de informações sobre as nomeações e uma audiência sobre o mesmo tema que foi realizada em abril de 2021. De acordo com ele, a Prefeitura tem descumprido prazos de requerimentos que pedem detalhes sobre convocações já feitas e sobre as expectativas de provimentos de cargos para o segundo semestre de 2022.
Além disso, o vereador criticou a falta de nomeações em uma série de áreas profissionais que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) do município, como técnicos e técnicas de laboratório, de saneamento ambiental, dentistas, psicólogas e psicólogos, assistentes sociais, educadores e educadoras físicos, médicos e médicas veterinárias.
“A origem desta audiência é para que a gente entenda, juntos, como está o processo de contratação do concurso de 2019. Há centenas de pessoas preparadas e que passaram no concurso, para o qual há uma demanda na nossa cidade”, disse Moraes. "É um prazer muito grande ter a oportunidade de estar com vocês buscando compreender melhor como estão funcionando as coisas dentro da burocracia e lutando, junto com a população, para que o serviço de saúde seja garantido de forma universal para todos, como preconiza o nosso querido SUS”.
Em seguida, Dani Portela afirmou que o desfalque de profissionais na rede de saúde municipal penaliza a população que já sofre os efeitos das desigualdades do País. A parlamentar ainda indicou que, mesmo a Prefeitura tendo indicado nomeações, é preciso fazer mais para recuperar a defasagem decorrente da lei complementar 173/2020.
“A ausência desses profissionais reflete na vida das pessoas que majoritariamente precisam de uma saúde pública universal e de qualidade, na vida da população negra da nossa cidade e também das mulheres. Fomos atravessados por uma pandemia sem precedentes. Uma crise não só sanitária, mas que trouxe consequências sociais e econômicas profundas”, refletiu. “De 2020 até agora, a imensa maioria das nomeações foram realizadas apenas para repor as vacâncias novas, surgidas em plena pandemia. Em 2022, a nossa realidade é como se estivéssemos em 2019, porque continuamos com o mesmo déficit de vários profissionais da área de saúde”.
Autor do projeto de lei nº 05/2022, que busca instituir um sistema de transparência para os concursos públicos do Recife, Tadeu Calheiros falou sobre a necessidade de garantir que sociedade, aprovados e servidores tenham acesso a informações precisas e atualizadas sobre as nomeações dos concursos em saúde. Ele lamentou a falta de profissionais no município e recordou o cenário de desgaste da saúde mental desses servidores durante a pandemia de covid-19. “Eu queria estar brigando para que tivesse filtro UV para quem está na academia da cidade, ou para que tivéssemos um repouso melhor. Mas estamos brigando pelo básico: ter profissionais trabalhando. É inadmissível que a gente tenha uma cobertura de saúde bucal de 38%”.
Calheiros também fez uma análise do que considerou serem problemas no quadro de nomeações recente da Prefeitura, incluindo o saldo de vacâncias a cobrir e a concentração de convocações em poucas áreas. “Em janeiro de 2022, depois de tudo o que trouxemos, a Prefeitura disse que faria, gradualmente, a nomeação de 483 profissionais de saúde, sendo 81 para o SAMU, 179 para a atenção básica, 223 para as policlínicas e maternidades. Desse total, 258 já foram chamados, mas só 164 estão lotados. Do que foi propagado em janeiro, ainda faltam 225 nomeações das prometidas pelo próprio prefeito. Até o final de 2021, havia mais de 1,2 mil cargos efetivos vagos no município do Recife. Até o final de janeiro, mais de 43 áreas de saúde não tiveram nenhuma nomeação”.
Exaustão, concentração e defasagem – A diretora do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Pernambuco (Seepe), Débora Bento, se posicionou pela categoria na audiência. Ela salientou os danos causados pela falta de profissionais e pelo excesso de trabalho, em especial no período da covid-19. “Nesta luta com a pandemia, a gente não parou. Tiraram nossas licenças, nossas férias. E tem horas em que não conversam com o trabalhador, se impõem. Eu espero que o Executivo reveja isso. Muitas pessoas estão adoecidas por causa da pandemia. Muitos colegas morreram por covid-19. Foram colocados em locais sem conversa, na linha de frente, e perdemos muitas pessoas por isso”.
A representante do Sindicato de Psicólogos de Pernambuco, Vera Lúcia de Moura, criticou a concentração de nomeações em setores que lidam com apenas uma das linhas de trabalho do SUS. “A gente percebe que a Prefeitura está ligada a uma maneira curativa de fazer saúde. Percebemos que as chamadas se concentraram em médicos e enfermeiros, o que fere os princípios e diretrizes do SUS. Se não tivermos equipes multiprofissionais grandes e atuantes, os profissionais de medicina e enfermagem vão ficar sobrecarregados. Nesta pandemia, temos colocado muito em pauta a importância do foco na prevenção e na reabilitação, não só na cura”.
Segundo o representante do Conselho Regional de Odontologia, Vitor Carlos Marques, o problema da defasagem de profissionais é ainda maior se considerado o período entre 2016 e 2020, em que não havia concursos vigentes. “Só a reposição de exonerações e vacâncias não dão conta. O Recife teve um concurso de 2012 que ficou válido até 2016. O nosso concurso foi realizado em dezembro de 2019 e homologado em 2020. Passamos quatro anos acumulando vacâncias que eram repostas na própria rede. Ou seja, o cirurgião-dentista de 20h semanais tinha sua carga horária estendida para 40h. Temos problemas e buracos acumulados na rede. Além disso, muita gente se aposentou e se exonerou por outros motivos”.
Menos temporários, mais concursados – A Secretaria de Saúde do Recife foi representada na audiência pela secretária-executiva de gestão do trabalho e educação na saúde, Andreza Barkokebas. Para contextualizar a baixa reposição de profissionais efetivos, explicou que ao assumir o Executivo em janeiro de 2021, a gestão tinha dois desafios decorrentes da pandemia de covid-19: a gestão da vacinação e a necessidade de expandir a capacidade de testagem, em especial com a chegada da variante ômicron.
“Foi um momento em que precisamos fazer contratações de profissionais e estávamos com a lei complementar 173 vigente, o que só nos permitia contratar mediante vacância. Essa contratação [de profissionais para a vacinação e testagem] foi temporária, de acordo com a situação pontual de emergência pública. E ainda estamos com contratos por tempo determinado porque ainda estamos na pandemia”, informou.
Barkokebas ponderou, no entanto, que o atual momento é mais promissor. De acordo com ela, a Prefeitura elaborou um estudo sobre as necessidades da saúde municipal, o que envolve o quadro de servidores efetivos. “Já estamos sentindo um cenário de mais equilíbrio e o movimento de rescisão contratual vai acontecer. Em paralelo, vamos começar a chamar mais servidores do concurso”, adiantou. “Queremos fortalecer o SUS do Recife e isso perpassa diversas áreas. As unidades precisam melhorar a infraestrutura, precisamos de recursos humanos, de insumos. Nesse grande diagnóstico, estamos discutindo a possibilidade de uma recomposição de recursos humanos, porque o que temos hoje são alguns desfalques na rede”.
A gestora ainda esclareceu que a informação de que há servidores não lotados entre os convocados neste ano se deve ao fato de que algumas pessoas desistiram de assumir seus cargos. “Dos 483, chamamos 258. Mas somente 164 entraram em efetivo exercício. O nosso movimento agora é chamar a diferença [de 94 convocados], provavelmente na próxima semana. Além disso, teremos mais 223 profissionais a serem chamados em 2022”.
O gerente-geral de Política de Pessoal da Prefeitura, Bruno Carneiro, tratou dos gargalos que impedem nomeações mais céleres no Executivo. “Temos trabalhado diuturnamente para fazer essas nomeações acontecerem. A gente só anuncia mesmo quando vai acontecer. Não é fácil colocar essa quantidade de profissionais para dentro da rede. É um processo lento e demorado. Estamos passando por uma transformação digital na Prefeitura do Recife, mas ainda existem muitos processos manuais”.
Segundo Carneiro, que representou a Secretaria de Planejamento, os 164 cargos que não foram preenchidos com a primeira convocação deste ano serão alvo de nomeações em breve. “Já está preparada para os próximos dias a portaria de reposição da primeira chamada que fizemos. Logo em seguida, deveremos fazer a chamada de mais 223 para completar o anúncio feito no início do ano”.
Após as considerações da mesa, foi aberto espaço na para intervenções e questionamentos do público presente no plenarinho da Casa de José Mariano.
Em 17.03.2022