Câmara promove reunião para debater importância de profissionais da Sociologia

Interpretar fatos e relações sociais por meio da aplicação de métodos e técnicas sociológicas, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida de todos. Essa é a missão das sociólogas e sociólogos, que tiveram a importância de sua profissão no centro de um debate realizado nesta quinta-feira (3) na Câmara do Recife. A reunião pública, promovida por iniciativa da vereadora Dani Portela (PSOL), reuniu estudantes, acadêmicos e integrantes de movimentos sociais.

Ao dar início às discussões, Portela lembrou que tramita na Casa de José Mariano o projeto de lei nº 329/2021, que visa a tornar o dia 10 de dezembro o Dia Municipal da Socióloga e do Sociólogo. A proposta, de autoria da própria vereadora, alude à data da sanção presidencial à Lei nº 6.888/1980, que reconheceu a profissão.

“A instituição de um dia no calendário municipal que contemple essa profissão é uma oportunidade de se trabalhar a importância da sociologia nas escolas, nas bibliotecas municipais, nas comunidades, nos órgãos públicos, de construir diálogo com as universidades, dentre outros, mas também nos provoca a discutir porque é tão importante ter a presença desses profissionais nos mais diversos espaços”, disse a parlamentar.

Dani Portela também não deixou de salientar as dificuldades que pessoas que atuam nas Ciências Sociais em campos relacionados têm enfrentado com a circulação de discursos de autoridades que buscam desacreditar essas áreas. Ela mencionou as diversas áreas em que sociólogas e sociólogos fazem a diferença – como escolas e universidades, agências de pesquisa, setores de planejamento urbano e editoras – e defendeu a realização de concursos públicos para esses profissionais no município.

“Frente ao contexto de ataques e cerceamento da atuação profissional, sobretudo, em áreas como Filosofia e Sociologia, que vêm, paulatinamente, sendo colocadas como de menor valor, faz-se cada vez mais necessário promover a discussão sobre o papel do profissional sociólogo e da socióloga para não apenas informar aqueles e aquelas que acompanharem a reunião como espectadores, mas, sobretudo, provocar os que estão no Poder Legislativo e Executivo sobre a urgência de ter esses profissionais nos quadros da administração pública”, afirmou.

Diretora de pesquisas e políticas públicas da Associação Nacional das Sociólogas e Sociólogos (ANASO), Rosilene Rocha explicou que os profissionais da área atuam para a melhoria de diversos elementos da vida humana, como segurança pública, educação, saúde, trabalho, habitação e meio ambiente. “A aprovação de uma data para se comemore o Dia da Socióloga e do Sociólogo é fundamental para que a gente chame a atenção para a importância e para o quanto esse profissional tem a contribuir seja nos quadros da administração pública, seja no setor privado”, defendeu. “São profissionais que vão fazer diagnósticos sociais, levantamentos e pesquisas. O profissional estuda as condições de vida da população e consegue diagnosticar problemas e apontar soluções, medidas de enfrentamento ou estratégias de ação. O que nos une é o desejo de sociedade mais justa, humana e igualitária”.

Também membro da ANASO e autor de obras sobre o mercado de trabalho das sociólogas e sociólogos, Lejeune Mirhan abordou a história e a dimensão atual desses profissionais no Brasil. “Nós devemos ter hoje cerca de 100 mil profissionais que atuam em pelo menos 18 áreas do mercado de trabalho. Estamos presentes em todos os lugares: previdência, saúde, nas escolas, no Poder Judiciário. A luta principal, e que conseguimos em 2008, foi ter a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e Filosofia. Torço para que essa lei que institui o Dia do Sociólogo, com os desdobramentos que isso pode significar, no calendário municipal do Recife”.

Professor da educação básica e doutor em Sociologia, Ivon Rodrigues tratou dos problemas inseridos pelas atuais mudanças curriculares no Ensino Médio brasileiro. De acordo com ele, o novo currículo vai tratar do conhecimento de forma superficial. “Na educação básica, a Sociologia tem o objetivo principal de proporcionar aos alunos a ampliação da leitura do mundo e a compreensão da vida em sociedade. Justamente por trazer para o estudante um senso crítico, foi considerada em alguns momentos ameaçadora”, relatou. “A partir de 1982, tivemos uma reinserção gradativa da disciplina. Agora, com a Nova Base Nacional Comum Curricular, vamos ter um novo momento: o currículo vai diluir a Sociologia e transformá-la em ‘estudos e práticas de ensino’. Ela vai deixar de ser uma disciplina específica. Embora a lei diga que os alunos terão autonomia para escolher, na prática nem todas as escolas terão condições de oferecer todas as possibilidades para esses alunos”.

 Academia e ativismo - A professora Cibele Rodrigues, que tem mestrado Profissional de Sociologia, disse que a reunião pública realizada pela vereadora Dani Portela, adquiriu uma importância essencial no momento em que o negacionismo vem colocando em cheque a importância das ciências. Ela disse que a Sociologia não é importante somente para o Ensino Médio, mas também para o Fundamental.

“Precisamos ter uma visão da criança como sujeito de direito e os estudos demonstram a importância de se colocar no currículo escolar conteúdos como sociologia e filosofia para despertar o senso crítico nos jovens. Assim, poderemos ter uma sociedade de direitos”. A reforma do ensino médio e a base curricular comum, disse, prejudicaram a Sociologia.

Ela destacou, também, a importância da sociologia para compreensão dos movimentos sociais e das mudanças sociais, “que são elementos muito caros para nós”. Disse que o trabalho da sociologia é de “desnaturalizar as dominações”.

Como representação estudantil na reunião, falou o presidente do Diretório Acadêmico de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Anderson Cordeiro. Ele falou sobre o curso de Ciências Sociais e disse que quando entram na faculdade, os alunos conhecem as teorias e depois mergulham em análises de casos e pesquisas. “Temos uma interdisciplinaridade em várias ciências, e saímos com uma capacitação e bagagem teórica para ensinar em escolas do ensino médico e fundamental, além de pesquisar”.

O curso forma, segundo ele, profissionais capacitados através de ferramentas metodológicas, apoiados nas ciências políticas, antropologia e sociologia e até economia. Anderson Cordeiro também ressaltou que os profissionais de Sociologia saem das universidades conhecendo as ideias de grandes teóricos e intelectuais. “Mas o cientista social, apesar de sair com tanta formação, fica abandonado quando conclui a habilitação”. Ele denunciou que não há estágios para os estudantes e sequer concursos públicos abertos para a categoria. “Somos os mais abandonados pelos poderes públicos. Nós, estudantes, não conseguimos nem bolsas de iniciação cientifica”. O curso de Ciências Sociais, afirmou, ocupa o terceiro lugar entre os que registram mais evasão.

A última convidada a falar foi a representante dos movimentos sociais e organizações, dirigente da Casa da Mulher do Nordeste, Graciete Santos. Ela, que também é socióloga, ressaltou que preferiu não seguir a carreira acadêmica e foi trabalhar no ativismo político, que é um campo pouco considerado pelas universidades. “A sociologia parte de uma leitura crítica da sociedade e dialoga com as várias dimensões da vida. E tem essa perspectiva de pensar os fatos e ajudar a entender os problemas e soluções estratégicas”.

Com base na sua experiência como socióloga e ativista, porém, ela falou do feminismo e das mulheres que trouxeram grandes contribuições para a Sociologia, desconstruindo ideias formatadas. As mulheres ativistas estavam baseadas nos movimentos sociais e no dia a dia. “É importante se pensar a relação da sociologia com os movimentos sociais, neste momento tão difícil do Brasil, com perseguição aos movimentos sociais, ao racismo, violência e LGBTfobia. Enfrentar essa situação pode trazer grandes contribuições”.

Graciete Santos entende que o debate sobre a importância da Sociologia e do papel dos sociólogos é necessário, mas que também é preciso “desmistificar a relação política de que os movimentos sociais são marginalizados, que devem ser destruído”. Ela defendeu que “é preciso desnaturalizar essa relação de milícia”. Acrescentou ainda que é preciso “fortalecer o pensamento crítico sociológico, mas também permitir que esse pensamento leve luz à sociedade e revele as desigualdades sociais nas diversidades”.

Providências - Após os debates com os participantes, a vereadora Dani Portela disse que fará os seguintes encaminhamentos com base nas discussões: uma das providências será falar com o presidente da Câmara Municipal do Recife, vereador Romerinho Jatobá (PSB) e com o primeiro-secretário, vereador Eriberto Rafael (PP), para saber sobre a Escola do Legislativo.

Também vai saber da possibilidade de o Poder Legislativo contratar sociólogos para inserção dos profissionais nos seus quadros. “Outra providência será marcar uma reunião com o secretário municipal de Administração para levar as demandas da categoria que possam ter uma solução municipal”. Ela também pretende procurar a Assembleia Legislativa para ver da possibilidade de levar esse debate para outros municípios de Pernambuco.

Em 03.03.2022.