Cida Pedrosa realiza audiência pública sobre necessidade de manter viva a memória da ditadura militar

Consciente da necessidade de se manter viva a memória dos crimes cometidos durante o regime militar, a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) promoveu audiência pública híbrida nesta quinta-feira (31), na Câmara Municipal do Recife. O evento, que foi marcado por retrospectivas e análises críticas sobre o atual cenário político brasileiro, coincidiu com o 58º aniversário da ditadura implantada em 31 de março de 1964 e que se estendeu até 1985. “Hoje, portanto, é um dia de luta. Afinal, ainda temos um presidente da República que defende o regime autoritário de 64”, resumiu a parlamentar.

A audiência pública teve como tema “o direito à memória e à verdade”, que faz referência aos casos de perseguição, torturas e desaparecimentos de políticos e ativistas, no período. “O objetivo desta reunião, portanto, é promover o debate sobre as possibilidades de promoção do Direito Humano da cidadania, e que é dever do Estado em nossa cidade, previsto nos termos do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH),  conforme o Decreto da Presidência da República número 7.037, de 21 de dezembro de 2009”, disse.

Cida Pedrosa leu o princípio básico do PDDH, a que se referiu: “A investigação do passado é fundamental para a construção da cidadania. Estudar o passado, resgatar sua verdade e trazer à tona seus acontecimentos caracterizam uma forma de transmissão de experiência histórica, que é essencial para a constituição da memória individual e coletiva”.

A vereadora lembrou que o Governo Federal “tem dificuldade” em garantir à população o pleno conhecimento sobre os fatos cometidos pelo Estado brasileiro a partir do Golpe de 1964. “Mas a Comissão Nacional da Verdade, colegiado que investigou as violações de direitos humanos, em seu relatório final, reconheceu 434 mortes e desaparecimentos políticos ocorridas na ditadura”.

Proposições – Cida Pedrosa também fez encaminhamentos, a partir dos debates,  destacando que o seu mandato iria protocolar, ainda hoje, três matérias legislativas para dar sequência ao tema da memória e da verdade na Câmara Municipal do Recife: o principal encaminhamento foi um projeto de lei (PLO) que institui a “Semana do Direito à Memória e à Verdade” no Calendário Oficial de Eventos do Município do Recife. Os outros dois são um projeto de resolução (PRES) que prevê elaboração de Plano para o Direito à Memória e à Verdade no âmbito da Câmara Municipal do Recife; e um requerimento, que indica ao prefeito do Recife, João Campos, que seja providenciada uma homenagem a Gregório Bezerra na Praça de Casa Forte ou arredores.

No transcorrer da audiência pública, a vereadora Cida Pedrosa anunciou que o projeto de lei já estava registrado n Departamento Legislativo e que recebeu o número PLO 128/2022. De acordo com o projeto de lei, durante a celebração da “Semana do Direito à Memória e à Verdade”, o Poder Público Municipal, deverá: apoiar e fomentar debates públicos sobre a memória e a verdade; realizar e apoiar ações de conscientização sobre a memória e a verdade; e incluir o tema da memória e da verdade nas atividades da rede municipal de ensino; e na rede municipal de Centros Comunitários da Paz (Compaz)

Cida Pedrosa também ressaltou outras proposições de sua autoria, que já tramitam na Câmara Municipal do Recife: O PLO 99/2022, que denomina de Júlia Santiago, Adalgisa Cavalcanti, além de Cristina Tavares, as próximas pontes a serem construídas no Recife. E o requerimento 1179/2022, que faz apelo ao procurador Geral de Justiça do Ministério Público de Pernambuco para que seja apurado o caso de vandalismo às placas de homenagem aos desaparecidos políticos situados no Memorial Tortura Nunca Mais.

Convidados –  Seis pessoas que se destacam no enfrentamento às consequências históricas, familiares, políticas e sociais da ditadura militar participaram como debatedores da mesa principal da Audiência Pública. Um deles foi o professor e pesquisador Manoel Moraes. Ele lembrou do aniversário de 58 anos do “golpe civil-militar de 1964, que foi um golpe indigno, que assassinou brasileiros”.  Ele lembrou que no dia do golpe militar, 31 de março de 1964, “houve uma resistência heroica dos estudantes secundaristas, no Recife, através de uma manifestação organizada a partir do Sindicato dos Bancários e de uma central sindical camada Concintra.  Numa passeata pelo centro do Recife, próximo ao Palácio do Governo, houve o assassinato de dois estudantes. Portanto, quando falamos de crime da ditadura militar, falamos da História de Pernambuco”.

A pesquisadora Marcília Gama pontuou “a tradição golpista da República Brasileira”. Ela disse que a instalação da República, em 1889, já foi uma tomada de poder, mas que depois vieram outros golpes, como o de 1930, o de 1937 (Estado Novo) e o de 1964. “Todos esses golpes contaram com o apoio maciço das Forças Armadas. Infelizmente, vivemos uma democracia tutelada, uma eterna queda de braços das organizações populares, que lutam pelas mínimas condições de vida e trabalho da população, contra a opressão militar.  A sociedade não vê essa memória, pois temos mais experiência de momentos autoritários do que de tempos democráticos”, afirmou. Marcília Gama disse ainda que em 2016 também houve um golpe no Brasil “desta vez jurídico, parlamentar e midiático, que tirou da presidência da República, a primeira mulher que foi eleita com mais de 54 milhões de votos”.

O ex-vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira, observou que toda sociedade, em instante de crise, como é o caso do Brasil, tende a revisitar sua história. “A sociedade busca as condições do passado para clarear soluções para os desafios atuais. É óbvio que ao amadurecimento coletivo, fruto da experiência e da elevação das ciências sociais, permite revisitar a história com olhar mais largo e competência mais apurada para compreender, no passado, as raízes dos problemas atuais”. Ele considerou que a iniciativa da vereadora Cida Pedrosa, de realizar a audiência pública, era oportuna e necessária. “Há uma tradição golpista que marca a dura evolução da República Brasileira. Quando estávamos discutindo, como deputados, os rumos do País, na Assembleia Constituinte, de 1988, cotejávamos 23 golpes militares na história da República. Houve apenas um em favor da democracia, para garantir a posse de Juscelino Kubtschek”.

A secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos da Prefeitura do Recife, Ana Rita Suassuna, considerou que a audiência pública foi um momento simbólico de luta e de resistência . Ela falou da política de Direitos Humanos da Prefeitura do Recife e disse que se a identidade de um povo fica adormecida, se não for resgatada através de políticas que estimulem a preservação da memória. “Precisamos lembrar da história assim como precisamos resistir ao autoritarismo”. A secretária criticou as políticas de desconstrução das conquistas dos direitos humanos por parte do presidente Bolsonaro. “É um governo que não acreditamos,  que vem desmontando os conselhos populares”.

Ela também citou ações que estão sendo realizada através da Prefeitura do Recife  para marcar a história de resistência e das comissões da memória e verdade. De acordo com Ana Rita Suassuna, elas vêm sendo colocadas em práticas desde a primeira gestão do PSB, com o ex-prefeito Geraldo Julio. A secretária afirmou ainda que a PCR pretende instalar, no Casarão do Sítio Trindade, o Memorial da Democracia. “Queremos ter uma sociedade que não viole os direitos humanos. Recife é uma das poucas capitais que tem, no seu organograma, um órgão que cuida da memória”. Ela falou que também está sendo reestruturado o projeto da Calçada da Memória, na Rua da Aurora.

O ex-vereador de Olinda, Marcelo Santa Cruz, que é militante dos Direitos Humanos, familiar de mortos e desaparecidos políticos, e articulador da Memória e Verdade da Prefeitura do Recife, falou por último durante a audiência pública. Ele apresentou um depoimento e disse que o golpe militar, há 58 anos, ocorreu sob a desculpa, assumida de forma mentirosa pelo então Ministro da Defesa. O Ministro teria dito que havia uma ameaça comunista e que a intervenção era necessária para “manter o desenvolvimento e para fortalecer a democracia”.

Marcelo Santa Cruz lembrou ainda que no dia do golpe militar, ele era estudante secundarista e participava da manifestação no centro do Recife, em solidariedade ao então governador Miguel Arraes. “Na ocasião, foram metralhados Jonas Jose de Albuquerque Barros e Ivan da Rocha Aguiar. Eles foram as primeira vítimas da ditadura. A partir daí foi só violência, violação aos direitos humanos, a Constituição foi rasgada, e mais à frente o Congresso Nacional foi fechado”.

No seu depoimento, Santa Cruz também falou dos mortos e desaparecidos políticos e disse que fazia parte de uma das famílias que sofreu uma das mais violentas perdas da repressão. O irmão dele, Fernando Santa Cruz, que também era secundarista, inicialmente foi preso, ficou uma semana na Delegacia do Menor e depois foi solto. Mas, as perseguições continuaram. O próprio Marcelo teve que se exilar no exterior e uma irmã foi presa e torturada. Em 1966, Fernando Santa Cruz desapareceu, foi morto e houve ocultação de cadáver. “Em Pernambuco são 49 desaparecidos”.

Além dos componentes da mesa, outros convidados também puderam relatar  consequências do golpe militar e fazerem  análises dos acontecimentos. Todos foram unânimes em criticar o presidente da República, Jair Bolsonaro. Falaram, na ordem, o representante do Centro dom Hélder Câmara, Cendhec, Luís Emmanuel Cunha; do coletivo SOS Corpo, Silvia Camurça, Dom Marcelo Barros,  Ana Guedes, Paulo Carbonari; a representante da Colônia de Pescadores de Floresta, Maria Daguia Alves, Ana Oliveira, Pastor Kinno Cerqueira, Rita Sipahi, Marcelo Mário Melo, Paulo Abrão, Jayme Benvenuto, Gildo Xucuru e Pedro de Oliveira.


Em 31.03.2022