Audiência pública discute auxílio-permanência para estudantes universitários

Ingressar em uma universidade é um desafio para pessoas em situação de vulnerabilidade – e permanecer nela até a conclusão do curso não fica atrás. A necessidade de concessão de auxílios-permanência para alunos da rede privada de ensino superior do Recife foi tema de uma audiência pública promovida na Câmara Municipal nesta quinta-feira (28). O debate, proposto pela vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), contou com lideranças estudantis e representantes da gestão municipal, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Não basta a gente ter alunos bolsistas e alunos nas universidades públicas. A gente precisa fazer com que esse aluno permaneça até encerrar o ciclo da graduação, para depois seguir a carreira que quiser. Pesquisas demonstram que acaba acontecendo uma evasão escolar grande por causa das condições desses alunos”, sintetizou Pedrosa ao dar início à audiência.

O evento focalizou, em especial, a situação dos alunos da Unicap. “A Unicap tem um programa extremamente importante de concessão de bolsas, o que parabenizamos. Isso é um processo de inclusão, principalmente das pessoas pretas”, afirmou a vereadora. “Mas precisamos fazer uma discussão mais ampla, que extrapole os muros da Universidade Católica e chegue junto aos poderes municipal e estadual para conseguirmos resolver a pendência do auxílio-permanência”.

A parlamentar não deixou de fazer uma análise sobre a desestruturação das políticas educacionais brasileiras em anos recentes. Ela lamentou o corte na oferta de bolsas de acesso, permanência e pesquisa que haviam sido criadas em governos anteriores. “O desgoverno Bolsonaro tem estruturado uma política do mal para destruir a educação brasileira”.

A representante do Diretório Central dos Estudantes da Unicap, Stephanie Vilela, afirmou que, só em 2021, mais de 400 alunos precisaram trancar seus cursos na instituição, que implementou seu programa próprio de bolsas em 2019. De acordo com a estudante, além dos desafios da pandemia de covid-19, existem dois problemas principais para a permanência dos beneficiados: o custo do transporte, já que parte considerável deles reside em municípios da Região Metropolitana, e a alimentação dos alunos matriculados em cursos em tempo integral. “Seria um auxílio para ajudar o aluno a ir até a universidade, pagando o transporte, e a questão da alimentação. Fazendo os cálculos, acreditamos que seria um auxílio de R$ 400. Esse tem sido o nosso diálogo com a universidade e a nossa principal reivindicação trazida para a audiência”.

A diretora de universidades privadas da União Nacional dos Estudantes (UNE), Layane Clara, falou pela entidade na audiência. Segundo ela, é necessário aprofundar o debate sobre a assistência estudantil não só nas universidades públicas. “Se avançamos nas políticas de acesso com o ProUni e com o Fies, que mudou radicalmente o perfil dos estudantes que ocupam essas universidades, precisamos falar sobre as necessidades deles. A gente quer entrar, permanecer e se formar com qualidade para poder contribuir com o desenvolvimento do nosso país. Para isso, a gente precisa comer, morar e ter um mínimo de estrutura para estudar”.

A OAB foi representada pela presidente da Comissão de Educação Jurídica do órgão, Emília Queiroz. Ela deu seu depoimento como ex-bolsista de graduação e mestrado. E também relatou que, ao atuar como professora universitária, percebeu a dificuldade de alunos que já recebiam bolsas para custear mensalidades, mas que precisavam trancar seus cursos por não terem recursos para as demais despesas. “Graças a isso estou aqui e, graças a Deus, tenho uma carreira exitosa. Se, no momento dos meus estudos, eu não tivesse tido essa força, tenham certeza de que eu estaria em outro lugar agora. Por isso, eu me sinto na responsabilidade de lutar por quem está na fase em que eu já estive lá atrás. O direito à educação deve ser visto como um direito amplo e contextualizado”.

Passagens - A representante da Secretaria do Trabalho e Qualificação municipal, Maria Israela de Oliveira Bezerra, que também é responsável pelo Prouni Municipal e pelo Passe Livre, lembrou que o Recife já tem uma política municipal de apoio aos estudantes que precisam frequentar as escolas, mas que estão em vulnerabilidade socioeconômica. “De fato, não trabalhamos com auxílio financeiro, mas sim com o Passe Livre. É um valor que corresponde a até 70 passagens por mês. É de suma importância o Passe Livre, pois ajuda a se locomover e diariamente ouço os alunos que me ligam. Eu sinto na pele, como aluna de escola públicas”, disse.

Para dar um exemplo da importância do Passe Livre, ela contou que um aluno de Odontologia lhe telefonou esta semana e disse que o curso é caro, o instrumental do curso também é caro e que ele é obrigado a fazer cotinha na família para conseguir estudar. “Ele faz a cotinha não só para pagar o instrumental e os livros, mas também para se sustentar durante o dia. Portanto, qualquer ajuda que o Estado venha a dar é importante. É uma forma de promover a isonomia e também uma política de afirmação”. Israela de Oliveira lamentou, porém, que os estudantes da Universidade Católica de Pernambuco não recebem o Passe Livre da Secretaria do Trabalho e Qualificação porque a Unicap tem vínculo com o município através da imunidade tributária. “Mesmo assim, estamos dispostos a ver como fazemos para estar junto dos estudantes nesta luta”, afirmou.

O representante da Secretaria Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Recife (SDECTI), Rafael de Paula, disse que o titular, Rafael Dubeux, está viajando e não pode comparecer à audiência pública. “Mas, vim para ouvir as reivindicações, para buscarmos soluções. A Secretaria quer saber de que forma pode ajudar aos estudantes”, disse.

O pró-reitor Comunitário e de Extensão da Unicap, padre Delmar Cardoso, foi o último integrante da mesa a falar sobre o tema. Ele disse esperar que a audiência pública repercuta “a ponto de os estudantes que estão nessa situação”, venham a ter, no futuro, bolsa permanente ou ter auxílio do estado para que eles permaneçam no curso. “Conhecemos muitos alunos que dizem ser o primeiro da família a ter um curso superior. Mesmo assim, enfrentam muitas dificuldades para continuarem os estudos. Não podemos continuar nessa lógica, mas devemos ter iniciativas que ajudem a mudar”. Ele reconheceu que a Prefeitura do Recife tem uma política municipal para concessão do Passe Livre aos estudantes que comprovadamente precisam do apoio. Mas, lamentou que a Unicap, pela isenção fiscal, não possa usufrurir dessa política. “Mas estamos nesse caminho e vamos avançar”.

O padre Delmar confirmou que a Unicap concede bolsa integral a cerca de 2 mil estudantes, mas observou que no contexto geral, ela é apenas uma ajuda. “De que adianta o aluno ter 100% de bolsa se ele não consegue chegar à universidade? O Passe Livre é um auxílio importante”. Ele acredita que a vereadora Cida Pedrosa irá levar aos poderes públicos as demandas dos estudantes, e ajudar a definir o tipo de política pública que pode garantir o auxílio. “A Unicap não pode ter outra cara que não seja a cara do Recife, de Pernambuco e do Brasil. E a cara do Brasil é negra e é indígena. Não podemos ficar com a ilusão de que somos a extensão da Europa. Espero que este evento que a vereadora Cida Pedrosa organiza seja a continuidade de uma efetiva política pública para todos os alunos que estão nessa situação”.

O padre Delmar também lembrou que a situação jurídica da Unicap não é o de uma universidade privada, mas de uma “instituição comunitária”. Segundo ele, foi essa denominação que a instituição ganhou com o decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff em 2013. “Isso significa que toda a arrecadação da Unicap, que é conseguida através das mensalidades dos alunos, não é para enriquecer pessoas. Mas para investimentos na própria universidade. O lucro é para ser investido na própria universidade. Para incrementar o desenvolvimento do professorado, alunado, corpos técnico e administrativo”.

A vereadora Dani Portela (PCdoB) compareceu à audiência pública. Ela disse que o tema do debate fazia parte dos seus  interesses pelo fato de ela ser professora. “Sabemos que o Governo Federal dificultou os acessos de muitos estudantes periféricos a universidades. Também não deu prioridade aos professores. Temos que nos questionar por que eles querem atingir a educação? A educação é porta de entrada da cidadania”. A vereadora conclamou a todos os presentes na audiência pública a “não desistirem da luta por uma educação de qualidade”.

Relatório - No final da audiência, a vereadora Cida Pedrosa fez os encaminhamentos. “Quero agradecer a presença de todos e dizer o quanto foi importante estarmos aqui reunidos”. Ela informou que será feito um relatório da audiência e que cópias do documento serão encaminhadas ao prefeito do Recife, João Campos, ao governador Paulo Câmara. “E vamos propor uma conversa com os secretários de Educação do Recife e de Pernambuco e com o secretário de Ciência e Tecnologia”.

Cida Pedrosa também sugeriu a ideia de se lançar uma campanha de adoção de “alunos bolsistas”. As pessoas que quiserem adotar os alunos, de acordo com a sugestão, poderiam receber isenção de impostos municipais. A vereadora também sugeriu que as entidades de representação estudantil (Diretórios Centrais de Estudantes e Diretórios Acadêmicos) formem comissões para procurar os candidatos a cargos executivos nas eleições deste ano. “Quem sabe, este seja o primeiro passo para a construção de uma política pública nacional?”.


Em 28.04.2022.