Comissão de Direitos Humanos realiza reunião pública na Pracinha de Boa Viagem

A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal do Recife realizou reunião pública na tarde desta sexta-feira (29), na Praça de Boa Viagem, para ouvir a população que vive nas ruas da Zona Sul. Este foi o segundo evento com a finalidade de dar voz às pessoas em situação de rua, pois o primeiro encontro ocorreu no ano passado, na Rua do Imperador, centro do Recife. “Esta é uma reunião oficial da Câmara Municipal do Recife. Para nós é uma honra estarmos aqui. Choveu bastante durante o dia, mas tínhamos o compromisso de vir. Foi até uma oportunidade para sabermos dessa realidade, de como fica o pessoal de rua durante a chuva. Teríamos que vivenciar o que vocês vivem e dar voz a todos”, disse a presidente do colegiado, vereadora Michele Collins (PP).

Ela afirmou que as pessoas merecem viver num lugar seguro, em vez de estaremos expostas dia e noite nas ruas. “Vocês são pessoas que importam e são preciosas aos olhos de Deus. Precisam ser vistas, pois não são invisíveis. Mas, estamos aqui para dar as mãos. Vocês não estão sozinhos e a sua voz é importante”, anunciou. Segundo Michele Collins um relatório foi feito com os resultados do primeiro encontro de pessoas de rua e o documento foi entregue às autoridades municipais. “A Prefeitura do Recife tem uma política de apoio à população de rua. Mas ela precisa ser melhorada e ampliada para outras regiões da cidade. Queremos que a política funcione”, opinou.

 O vice-presidente da Comissão, vereador Ivan Moraes (PSOL) falou em seguida. Ele ressaltou que, desde o início do seu mandato, vem se dedicando à luta das pessoas em situação de rua, ouvindo sempre a Pastoral do Povo de Rua e o Movimento do Povo de Rua. Ele defendeu a necessidade de se levar adiante a luta por um restaurante popular e um abrigo 24 horas ou abrigo noturno para as pessoas que vivem nas ruas de Boa Viagem. “O Centro do Recife conta com um restaurante popular e um Centro Pop, mas não eles não são o suficiente. As políticas públicas para esta população estão localizadas na região central da cidade, mas quem vive na Zona Sul do Recife não tem acesso”. Ivan Moraes lembrou que há um projeto de construção de um Centro Popinho, para crianças, na RPA 6, que fica na  Zona Sul. “Mas as iniciativas políticas só vão para a frente com a luta de vocês”.

Povo de Rua - A representante da Pastoral do Povo de Rua, franciscana Irmã Julita, foi uma das participantes da reunião pública. Ela disse que existem cerca de  2 mil pessoas de rua no Recife e que o prefeito João Campos “precisa olhar com mais efetividade para essas pessoas, que não têm onde tomar banho ou beber água no dia a dia”. Ela lembrou que o Centro Pop localizado no centro do Recife tem capacidade para atender plenamente até 30 pessoas por dia, mas que dezenas “ficam de fora, clamando por ajuda”. Ela lembrou que se aproxima o período chuvoso e as pessoas estão preocupadas porque não têm onde se abrigar. “As pessoas estão certas de que vão dormir na chuva. Há 13 que estão no aluguel da pastoral, mas esse número é muito pequeno. Temos que acolher muito mais”.

O primeiro depoimento da reunião foi de Leandro, que se identificou como morador da Pracinha de Boa Viagem. “Estou clamando por uma moradia digna. Um dia desses, chegou um pessoal da Prefeitura do Recife dizendo que seria construído um Centro Pop na Zona Sul. Mas estamos esperando até agora. Enquanto isso, sabemos que o inverno vai ser pesado e nós necessitamos muito de um acolhimento”, disse. Em seguida, falou José Aldo. “Não temos sequer um lugar para tomar banho, nem para dormir. A Prefeitura e os órgãos precisam dar mais atenção a todos nós, pois somos seres humanos”.

Em meio aos depoimentos dos moradores de rua, também houve pequenos discursos de convidados. Um professor de Brasília, identificado como Henrique, fez críticas às políticas de assistência social e disse que as pessoas que estão nas ruas são consideradas “cadáveres sociais”. Ele questionou: “Dizem que vivemos numa democracia, mas que democracia é essa quando as pessoas não têm os direitos garantidos. Vivemos sob o signo da aporofobia, que é a aversão à pobreza e ao povo de rua”. Ele concluiu que a aporofobia tem raízes no “liberalismo e no capitalismo selvagem”.

 O professor Henrique observou ainda que a população de rua do Recife é uma das que têm menos assistência social entre as capitais brasileiras. Em seguida, comparou as iniciativas da cidade com outras como Aracaju e Maceió. “Nesses locais há assistência. Outra cidade que tem uma boa política para acolhimento do povo de rua é Fortaleza, que mandou construir galpões para acolher 100 pessoas. O Recife poderia muito bem copiar essa ideia dos galpões”, disse. Ele também conclamou a população de rua para lutar pelos direitos.

Outro morador de rua, Aécio, parabenizou a Câmara Municipal do Recife pela reunião. “Pode ser que alguém esteja nos vendo e nos ajude. Eu como morador de rua, enfrento muitos preconceitos. Mas, nós somos iguais a todos. E se alguém nos acolher, melhoramos. Entre o povo de rua, tem artistas, pessoas que sabem trabalhar. Temos que ter uma ajuda”.

O integrante da entidade Atos, Kleyvson Ferreira, falou sobre a inadequação do valor do aluguel social concedido pela Prefeitura. “É um valor irrisório, de R$ 200. Só o gás custa R$ 110. Para quem tem filho, um pacote de fralda é R$ 50. É vergonhoso chamar isso de aluguel social”, comentou. “Outro ponto é fechar a praça por conta de turismo. Isso é tirar direito de quem busca direitos. É o maior dos absurdos”.

Representante do Movimento Pop Rua, Jailson Santos, tratou de demandas especificas e das políticas públicas necessárias para atender a população. “O que esta população de rua precisa não é diferente das outras. O que ela precisa é ser humanizada. Somos visto como bichos. Há necessidade de muita coisa. No centro, temos abrigo noturno, casa de acolhimento, CentroPOP, restaurante popular, a própria Prefeitura. Mas, aqui, em Boa Viagem, o que temos é preconceito, discriminação e as pessoas querendo fazer higienização.”.

Também integrante do Movimento Pop Rua, Robson falou sobre a sua experiência como pessoa nessa situação e pediu que a Prefeitura cumprisse o decreto nº 7053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Ele também refletiu sobre a necessidade de mobilizar as moradias ociosas que existem no Recife. “O que a gente reivindica aqui não é nada que não esteja na Constituição. E, além da Constituição existe um decreto. A gente enviou vários ofícios cobrando ao prefeito para que a sua assessoria fizesse um levantamento de todos os prédios ociosos dentro do município para que eles se tornem equipamentos para a população de rua e moradia”.      

O vereador Felipe Alecrim (PSC) também deu sua contribuição na reunião pública. Ele parabenizou a vereadora Michele Collins pela iniciativa. “Um dos primeiros atos do nosso mandato foi fiscalizar todos os equipamentos públicos voltados aos cuidados para as pessoas que vivem em situação de rua. Já fizemos uma série de requerimentos que foram aprovados na Câmara Municipal e que buscam trazer melhorias. Esta reunião de hoje tem o propósito de ouvir, para que nós, parlamentares, possamos ver os problemas, necessidades, angústias e aflições de vocês”.

Outro depoimento ouvido durante a reunião foi o de Flávio, que também se encontra em situação de rua. Ele fez uma crítica à falta de solidariedade. “É um povo que não respeita, que não sabe o que é um ser humano. E a cada dia mais, a gente com fome. A criminalidade que tem, quem está na cadeia, é o ladrão. Pelo abandono do presidente, do prefeito, de todos. A fome, ninguém aguenta. Tentem passar um só dia com fome”.

A líder do projeto Restaurando Alegria, apresentada na reunião como Natália, disse que as pessoas em situação de rua não estão abandonadas. “Precisamos de um governo que trabalhe com política de humanização e que mude a vida de vocês. Mas muitos têm sido levantados por Deus para fazer a diferença e para transformar esse cenário em que vocês vivem. Não pensem que nada tem sido feito. Não achem que vocês não têm voz, que não são ninguém”.

Aos 51 anos, Moisés – que também prestou seu relato na ocasião – afirmou que desde que nasceu vive nas ruas da cidade. Ele criticou as políticas municipais voltadas para a população nessa situação. “Eu me criei sozinho na praça Maciel Pinheiro, perambulando até a data de hoje. Nunca vi uma política voltada para a população pobre, em todas essas gestões que passaram. Foi só humilhação, maus-tratos, falta de assistência social, de respeito e consideração ao ser humano. O dia da votação está chegando”.

Aos presentes, o participante da reunião chamado André declarou ter sido uma pessoa em situação de rua, com passagens na região. “Hoje, eu sou uma pessoa que está aprendendo sobre políticas públicas para poder lutar pela população de rua. Eu vou ser alguém que vai incomodar”.

A última participante a dar o seu depoimento foi Margarida, uma mulher de 75 anos que hoje está em situação de rua. Ela pediu ajuda para uma situação que disse ter sofrido e que resultou na perda de sua residência, quatro anos atrás. “Quatro anos atrás, eu tinha uma casa. Hoje, eu não tenho onde morar. Não estou direto na rua porque a Pastoral me acolheu”.

Ao final da reunião, Michele Collins listou algumas demandas que serão remetidas à Prefeitura. Dentre elas, estão a implementação de um CentroPOP, de um abrigo 24h e de um restaurante popular na Zona Sul, a disponibilização de passagens de transporte público para ir ao CentroPOP da Zona Norte, e a oferta serviços de banho e higiene. Também serão cobradas respostas quanto ao aluguel social e à retirada de pessoas em situação de rua durante a reforma da praça de Boa Viagem.

Em 29.04.2022