Solene celebra 30 anos do Movimento Mangue Beat

O Mangue Beat, fundado em 1991, nasceu no Recife com o objetivo de se apresentar enquanto movimento contracultural de mistura de ritmos tradicionais e de elementos da cultura regional como o maracatu rural, com a cultura pop, sobretudo o rock'n roll e o hip-hop. Logo em seguida, em 1992, foi lançado o manifesto Caranguejos com Cérebro em que se denunciava a miséria e propunha uma renovação cultural que unisse o tradicional ao moderno. Após a publicação do manifesto, artistas como Chico Science & Nação Zumbi e o Mundo Livre S/A, lançaram seus trabalhos musicais. Por seus 30 anos de existência, o manifesto foi homenageado no plenário da Câmara, numa iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL). Na ocasião, 30 personalidades foram celebradas na solenidade. O vereador e primeiro- secretário da Casa, Eriberto Rafael (PP), presidiu o evento.

Emocionado, o vereador Ivan Moraes identificou os artistas que ocupavam o plenário da Casa de José Mariano e pontuou que o movimento Mangue Beat partiu da periferia. “Como diria Chico Science: Um passo à frente, e você não está no mesmo lugar. É um momento de muita emoção, vejo o rosto de muitas pessoas que na minha juventude eram minha referência. Que estão na minha origem cultural enquanto cidadão dessa cidade, Estado e País, transformaram a minha geração e é gratificante poder convidá-los. E logo num momento de hoje, onde tentamos nos livrar de vírus, de um protofascismo.  A movimentação que é celebrada hoje partiu da periferia para o centro, do Janga, Peixinhos, Jaboatão Velho, enfim, de vários lugares. E ocuparam não só o centro. Começaram a ver o Recife como personagens com características negativas e positivas. A cidade mais desigual do mundo, a quarta pior do mundo, mas, ao mesmo tempo, a terra do mangue, da diversidade, estuário e que floresce milhares de seres vivos. Chico Science falava que levava a diversão a sério. E nesse momento vivendo enclausurados, a gente percebeu a importância de levar o entretenimento e cultura a sério”.

Ivan Moraes leu um trecho do manifesto Caranguejos com Cérebro, de Fred 04, publicado em 1992. “Hoje, os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência”.  

O parlamentar pontuou que o trecho do manifesto produzido por Fred 04 continua até nos dias de hoje e que complementaria. “Que hoje, os mangueboys, manguegirls e manguequeers são pessoas que querem seguir vivendo, dançando e amando. Levam diversão a sério e se preocupam com os rumos da nossa cidade e do nosso país.  Ocupam e resistem. E consomem podcasts, videocasts, quanto confabulam novas formas de transformar o juízo, o Estado, a sociedade e o mundo”. Depois do discurso de Ivan Moraes, foi exibido um vídeo chamado Dança “Anamauê”, do grupo Pantomima. Logo após, 30 personalidades foram chamadas para receber um diploma do parlamentar.          

Fred 04 agradeceu a iniciativa e recordou da elaboração do manifesto e suas alterações feitas ao longo dos anos, num período em que a tecnologia surgia. “A gente começou essa cena num período em que tinha a novidade da tecnologia digital, modificando e revolucionando o acesso à informação. Ao mesmo tempo que a informação digital traz uma ruptura e uma democratização como se nunca tinha visto antes, e dá uma bagunçada no conceito de legitimidade da informação histórica. Por exemplo, o manifesto que se encontra na internet hoje não é o original, infelizmente. O trecho lido por Ivan Moraes já teve várias atualizações. Lembro que falava de antipsiquiatria e outros interesses que não estão mais presentes na versão de hoje”.

O artista lembrou que o Recife dos anos 1990 era difícil no aspecto cultural e que muitos artistas foram embora da cidade. “No ambiente acadêmico que eu frequentava aqui a gente vivia um certo dilema entre mudar de lugar ou mudar o lugar. Sofríamos a angústia de ver nossos talentos do meio universitário dizendo que não iam ficar. Ali terminavam a faculdade e já tinham projetos para uma vida acadêmica na Alemanha, Inglaterra e até mesmo em São Paulo e Brasília”. Fred 04 recordou o momento em que recebia Chico Science nos ensaios da banda Mundo Livre e detalhou como era o cenário musical. "Não tinha internet como hoje, e nem local para desfrutar uma música bacana como hoje, com clubes e casas. Muito se sabe do talento absurdo que Chico Science tinha de inventar batidas e sonoridades. O carisma dele no palco è uma referência absurda. Ele não se conformava enquanto não colocava uma ideia em prática. Ele articulava e conversava com amigos e fazia acontecer. Realizamos algo de muito profundo nessa cidade e espero que essa reunião tenha o poder de rearticular as pessoas”.

O artista também citou a importância da Rádio Frei Caneca e do valor do conselho cultural na cidade.  “Vamos trazer de volta aquela energia quando pressionamos na criação da Rádio Frei Caneca. Acho que a Rádio é uma conquista dessa cena e temos que continuar cada vez mais vestir a camisa do rádio, e pressionar os representantes para reativar o Conselho de Política Cultural no Recife. Que a gente consiga transformar a nossa energia em algo ainda mais mobilizador e revolucionário porque Recife precisa e Pernambuco tem mais a oferecer. Parabéns, Ivan Moraes e Câmara Municipal do Recife”.  

Tayná Louise, filha de Chico Science, disse que sentia uma grande honra de ser filha do artista, e ressaltou a importância da cultura para a sociedade. “Em 25 anos de ausência física dele e 30 anos de Mangue, acho que poderia ter sido feito muito mais. Para mim, ele é motivo de orgulho e estou muito feliz em poder estar como todo mundo aqui que fez história. Gostaria de fazer uma pergunta, já que se trata de memória e legado, e que estendo a outras gestões políticas: Como os senhores gostariam de ser lembrados? É uma reflexão muito válida principalmente nesse momento que estamos vivendo em nosso país, onde a nossa cultura está sendo apagada. Um país sem cultura é um país morto”.

Isaar França, cantora e compositora, confessou que o movimento Mangue Beat atravessou sua vida de forma intensa e que a cidade continua na produção de novos talentos. “Eu não seria essa Isaar de hoje sem o movimento. Gostaria de agradecer a todos e todas vocês. Estou feliz por ter passado 30 anos e pelo que a cidade ainda produz. Uma gama de artistas linda, de todos os ugares. É gratificante ver que a cidade absorveu isso tudo com muita verdade”.  

O secretário de cultura, Ricardo Melo, disse do valor da palavra ‘movimento’ para o Mangue Beat e citou ações do setor como a Rádio Frei Caneca e o Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. “A palavra ‘movimento’ não se faz só, e não é algo passageiro ou uma moda. É uma afirmação da vitalidade que esse movimento trouxe para a cultura do Recife, Pernambuco e se espalhou pelo mundo. É a capacidade de olhar para dentro e para a raiz. Gostaria de dizer que houve a reabertura do Espaço Memorial Chico Science, no Pátio de São Pedro, e ele só será reinaugurado quando a gente puder conversar com a família sobre o acervo. Foi feito um esforço na Rádio Frei Caneca em aumentar 50% no valor destinado ao edital da ocupação da grade. Sabemos que ainda é pouco. Depois de 10 anos houve eleições para o Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. O mandato se estendia há 10 anos sem eleições e haverá uma eleição complementar porque não faz sentido um conselho não ter representatividade de música, design e cultura. Mas esse é um processo de luta, mas de luta amorosa. Esse é o momento de reabertura de algo que continua muito vivo, e que está demonstrando sua força aqui hoje, seja questionando ou criticando com algo que faz a gente viver”.

O vereador Eriberto Rafael, ao finalizar a solene, enfatizou que emendas parlamentares foram destinadas a Rádio Frei Caneca e disse do grande significado do Mangue Beat para a sociedade.  “Sobre a Rádio Frei Caneca, cada vereador destinou um pouco da emenda parlamentar para que a Rádio tenha um desenvolvimento muito maior. Mangue Beat é todo o valor de resistência, cultura, arte, liberdade e de busca por justiça social. Ele respira hoje e corre na veia do Recife.  É importante não apenas pela questão cultural, mas social. O Mangue Beat massificou a crítica social, tornando o pensamento crítico mais acessível para as pessoas. O homem coletivo sente a necessidade de lutar, o movimento encoraja a buscar a sua cidade mais digna para todos e todas. Parabéns, Ivan Moraes, pela sensibilidade de trazer esse momento para a Casa e a gente poder estar refletindo e discutindo juntos. Que esse seja um momento de luta e vida longa ao movimento Mangue Beat”.

Depois das palavras, do vereador, Maia e o grupo Lamento negro fizeram uma apresentação musical ao final da reunião solene.

Homenageados/ Homenageadas:

1. CHICO SCIENCE (IN MEMORIAM)
2. NAÇÃO ZUMBI
3. ANTÔNIO GUTIERREZ
4. BANDA EDDIE
5. BANDA ETNIA
6. COMBO X
7. DARUÊ MALUNGO
8. DEVOTOS
9. EDUARDO FERREIRA
10. EVÊNCIO VASCONCELOS
11. FACES DO SUBÚRBIO
12. H.D. MABUSE
13. ISAAR
14. JORGE CABELEIRA E O DIA EM QUE SEREMOS TODOS INÚTEIS
15. JOSÉ TELES
16. LAMENTO NEGRO
17. MATALANAMÃO
18. MESTRE AMBRÓSIO
19. MESTRE MEIA NOITE
20. MÔNICA FEIJÓ
21. MUNDO LIVRE S/A
22. PÁCUA E VIA SAT
23. PAULO ANDRÉ
24. RENATO L
25. ROGER DE RENOR
26. SERPENTE NEGRA
27. DJ DOLORES
28. JURA CAPELA
29. LÍRIO FERREIRA
30. PAULO CALDAS

Em 07.04.2022