Reunião Pública discute uso medicinal da maconha no Recife

O uso medicinal da maconha no Recife foi o tema de discussão da reunião pública promovida pelo vereador Ivan Moraes (PSOL), na tarde desta segunda-feira (16), no plenarinho da Câmara Municipal do Recife. O parlamentar também aproveitou para citar a elaboração de um projeto de lei sobre o tema e lançou uma cartilha chamada Maconha para a Saúde, “feita por meio de uma extensa pesquisa coordenada pela advogada e pesquisadora, Débora Fonsêca Barbosa”, explicou.

Inicialmente, o vereador Ivan Moraes disse que não estava fazendo uma pauta revolucionária, mas que entendia que na contemporaneidade a Casa de José Mariano, assim como outras Casas, há um consenso sobre o uso medicinal da maconha e citou avanços sobre o assunto nos Estados Unidos. “As pesquisas dizem que nos EUA são mais de um milhão de empregos pela cannabis, a geração de receita, mesmo sendo um país conservador, gerou U$ 25 bilhões de dólares, ou seja, R$ 125 bilhões de reais. Uma cidade como Recife, por exemplo, o orçamento é de R$ 6 bilhões. Compreendemos que nessa discussão tem tarefa para todas as instâncias. A tarefa estadual é a de que Pernambuco, um dos poucos estados que possui laboratório no país, já poderia estar produzindo medicamentos. E no Recife, que tem uma parceria com a UFPE com laboratório canábico proporcionando atendimentos todas as sextas-feiras, poderia a Prefeitura facilitar recursos para que mais pessoas da medicina, que compreendam o potencial da planta, possam receitar esses medicamentos”.

A vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) disse que era usuária do óleo medicinal porque é portadora de dores crônicas. Ela considerou que uma proposição legislativa seria muito positiva para a sociedade. “Gostaria de parabenizar a luta incansável de Ivan Moraes. Acho que devemos correr atrás de uma proposta de lei, que passe na Casa, e consiga avançar e legalizar a planta para fins medicinais. A Prefeitura poderia fornecer o medicamento gratuitamente pelo SUS, apoiar as associações que fabricam e organizam a distribuição de remédios. Apoiar também as associações de mães de filhos usuários. Enfim, como se formaria o SUS para receber essa tecnologia porque é considerada uma tecnologia de ponta”.  

A advogada, pesquisadora e representante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA), Débora Fonsêca Barbosa, lembrou de importância do movimento social no debate e das possibilidades dos usos e de como a cartilha pode ajudar. “Inclusive, trazemos a questão dos usos na cartilha, mas a pessoa pode se associar. Temos a AMME em Pernambuco, que é a única que se judicializou e a ABRACE que atende todo o Brasil: 27 mil pessoas. O trabalho da gente nessa cartilha é lembrar que não é algo que a gente pode deixar completamente dissociado de um debate mais amplo sobre política de drogas. Que isso fique bem negritado, mesmo porque existe uma oportunidade da gente debater com mais ênfase, e viabilizar o debate medicinal e terapêutico. Mas a gente não pode perder o contexto mais amplo de como essa política vem afetando, e quem vem afetando, porque senão não vai adiantar nada”.  

Representando o grupo Mães Independentes e Pretas Juntas, Elaine Cristina da Silva, enfatizou que o Coletivo defende o auto cultivo da planta. “Que as pessoas possam cultivar a planta ideal, porque você está conhecendo o que está colhendo. Nossas crianças fazem usos de alopatas com efeitos colaterais e meu filho, hoje com a planta, tem chances de andar. E é preciso proporcionar isso para outras famílias, por meio de uma planta que não tem efeito colateral e reduz muitos outros medicamentos. Que as famílias possam cultivar e que as associações possam continuar cultivando e forneçam de forma acessível para as famílias que precisam”.        

Representante da Marcha da Maconha Recife, Débora Aguiar disse que a Marcha existe há 12 anos e reúne periferia, zona norte, centro e todos os espaços. “É muito difícil impedir algo que vem do povo, de nossa vontade. Falar de uso recreativo é falar da questão de redução de danos e cuidados. A Marcha esse ano acontece com o tema Aperte o Verde Contra o Fascismo: A nossa Luta é pelo Bem Viver. É um movimento que reúne mulheres, pessoas em situação de rua e anticárcere. A gente não faz apologia a nada, lutamos por uma nova política de drogas onde os cidadãos tenham direito e respeito. É isso que a gente quer”.

Hélida Lacerda, da Aliança Medicina, disse que a entidade  tem 500 associados e o número é crescente. Ela contou o caso do filho que vem se tratando com a planta. “A Aliança cuida de mais de 90 patologias e acho que é uma comprovação da necessidade da maconha em nossas vidas. Meu filho tem 19 anos e faz mais de 5 anos que está fazendo tratamento canábico. Ele tinha antes 80 convulsões por dia e hoje ele não tem mais. São muito raras as crises, é até surreal. Tanto as associações precisam do apoio da legislação, quanto eles precisam dos nossos apoios de histórias reais. E juntos somos mais fortes, sim.  Vou repetir minha história quantas vezes for preciso e deixo a dica: cannabis como primeira opção”.

O médico e Coordenador do Ambulatório Canábico/SIS/UFPE, Rodrigo Cariri, comentou sobre a possibilidade de ampliar a rede de atendimento na cidade e sugeriu alguns pontos ao projeto de lei que será apresentado na Câmara. “Recife está se constituindo como primeira experiência no Brasil de oferecer acompanhamento às famílias e aos pacientes que usam os canabinóides no SUS. Gostaria de parabenizar essa iniciativa de projeto de lei no Recife e proponho que a política municipal de maconha medicinal tenha um pressuposto inicial ao artigo 1 que é o de garantir acesso legal aos medicamentos. É preciso contextualizar na política de medicamentos, já que o SUS possui umas normativas que definem quais são os medicamentos que precisam integrar a farmácia básica. Chama-se isso de Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Além dela, tem a Rename Fito (fitoterápicos), uma das possibilidades de enquadramento dos canabinóides. Talvez a gente poderia pensar em como fazer referência a essa legislação”.     

Representando a AMME Medicinal, Diogo José Dias Pereira, confessou que conseguiu substituir cinco remédios, dentre eles um que não permitia poder dirigir. “Afetava drasticamente meu trabalho e consegui substituir tudo isso por uma garrafa de óleo que não dava efeito colateral. Consegui enxergar esse lado, conhecer as mães, seus engajamentos e fundamos a AMME. Não temos uma lei, então temos que pedir a um juiz uma exceção para fazer algo que é de direito popular”.

Diogo Pereira sugeriu que Pernambuco poderia incluir a cannabis nas chamadas Farmácias Vivas, as quais manipulam e ofertam fitoterápicos aos usuários dos serviços de saúde. “Seria um viés muito mais fácil porque as associações não conseguem recursos que a Anvisa exige para produzir um medicamento. Tem que atender resoluções específicas, dentre elas a 327 que praticamente inviabiliza todas as associações do Brasil. Exige 127 requisitos, dos quais alguns são cabíveis a indústrias”.

Depois de ouvir a Mesa, o público presente pôde dirigir perguntas aos convidados e convidadas. O vereador Ivan Moraes sugeriu, como encaminhamento, o de realizar adaptações para que o projeto de lei a ser apresentado na Câmara Municipal do Recife seja totalmente constitucional.     

Em 16.05.2022