Câmara discute realização dos festejos juninos no Recife

Dois dias após o anúncio feito pelo prefeito João Campos da suspensão do São João no Recife, a Câmara Municipal realizou uma reunião pública para discutir o Ciclo Junino. A iniciativa partiu da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), ocorreu de forma híbrida no plenarinho da Casa, nesta quarta-feira (1º), e reuniu parlamentares, representantes de diversas entidades ligadas à cultura, forrozeiros, quadrilheiros e sambistas, entre outros artistas.

Em comum, os participantes destacaram a solidariedade com a situação enfrentada pelas pessoas atingidas pelas fortes chuvas que se abateram sobre a cidade e Região Metropolitana. Ressaltaram que muitos dos fazedores de cultura sofrem diretamente esta situação e, por isso, veem nos festejos juninos a possibilidade da realização de campanhas solidárias para arrecadar donativos em cada polo, por exemplo. Também foi corrente o conceito de que o São João não é apenas uma festa porque movimenta a economia de muitas formas.

Cida Pedrosa justificou a urgência e a necessidade da escuta a quem integra a cadeia produtiva -  que abrange  artistas, trabalhadores informais e pequenos empreendedores  - afetados há dois anos pela pandemia de covid-19. “Essa turma é a que mais sofreu e está sofrendo, e enxergava na festividade um respiro para os dois anos de angústia e tristeza”. Ela reforçou a importância de uma data para divulgar quando vai ocorrer o Ciclo Junino que foi suspenso.

Na reunião pública, ficou definido que haveria explanações de vereadores e dos convidados. O primeiro a falar foi o vereador Alcides Cardoso (PSDB). Ele disse que considera precipitada a atitude da Prefeitura e que a ajuda para as vítimas das chuvas não deve mexer no orçamento destinado aos festejos, mas no que é previsto para propagandas da gestão.

Uma das representantes do grupo Somos Todos Forró, Tereza Accioly, falou da preocupação que lhe tira o sono: sem uma nova data para o Ciclo Junino, pode ocorrer que não aconteça, como foi com o carnaval. “O meu medo é esse. Aí eu pergunto: quando será esse novo São João?”, questionou.  “A situação está precária, são dois anos pandêmicos, quem tinha alguma coisa, já acabou. São vários artistas que já tiveram que vender seus bens para poder sobreviver”.

O vereador Ivan Moraes (PSOL) falou do sentimento de solidariedade que  permeia a cultura popular na capital pernambucana. Reclamou da falta de informação, disse que reconhecia o momento de pressão vivido pelo prefeito João Campos, mas o anúncio deveria ter sido de outra forma. “Se é um adiamento tem que ter data”.

Outro representante do Somos Todos Forró, Armandinho Dantas, lembrou dos técnicos que ficam sem trabalho, mas também de integrantes das bandas de pífano e dos trios de forró. Disse que será lançada a Campanha “São João Solidário” e que essa discussão é suprapartidária. “O São João é um ato de amor coletivo”.

A vereadora Liana Cirne (PT) explicou a ausência do clima de festejo, mas salientou a importância da sobrevivência da cadeia cultural. “Estamos de luto e a discussão não é sobre se estamos ou não no clima de festejo como algumas pessoas fizeram pensar”, afirmou. “Não estamos falando de entretenimento, de festa. Estamos falando do nosso Patrimônio Imaterial. A cultura popular hoje está correndo risco de extinção”, alertou.

Os integrantes das quadrilhas juninas levam mais que entretenimento e beleza em suas apresentações. Há grandes investimentos e muita gente envolvida na produção das roupas, adereços e coreografias.  A representante da Federação das Quadrilhas Juninas e Similares do Estado de Pernambuco (Fequajupe), Michele Miguel, disse que vários quadrilheiros estão desabrigados. “Por isso a gente retomou a nossa campanha “Pau de Arara”, para arrecadarmos donativos”.

Membro da Comissão de Cultura da OAB-PE e presidente da Associação de Afoxés, Fabiano Santos falou sobre o racismo estrutural, sistêmico e ambiental. “Esse crime ambiental vem acontecendo desde maio de 1888, quando a população negra saiu das senzalas e começou a ocupar o morro”, lamentou. “Já se sabe da necessidade do recurso, mas não dá para cancelar o São João. Não se cobre uma tragédia com outra tragédia. Se a gente cancela o São João, a gente amplia a tragédia e isso irradia para todo o Estado, como foi feito no carnaval”, afirmou.

Presidente da Comissão Especial sobre a Retomada do Carnaval, São João e Demais Grandes Eventos do Recife, o vereador Marco Aurélio Filho (PRTB) lembrou que sugeriu o próximo dia 29, dia de São Pedro, como início do Ciclo Junino. “A gente tem que fazer um São João de um mês inteiro. Se antes o Ciclo era de 21 dias, que façamos de 30”. Ele reiterou o quanto os festejos representam para a movimentação positiva da economia da cidade.

Também teceu suas considerações na reunião pública o vereador Tadeu Calheiros (Podemos), que apresentou dados do orçamento da Prefeitura e defendeu que a gestão pode retirar recursos para ajudar as vítimas das chuvas de outras rubricas e não dos festejos juninos.

O assunto também foi discutido pelo vereador Chico Kiko (PP), que defendeu a gestão municipal e exaltou a forma de atuação do prefeito João Campos frente a tragédia que se abateu sobre a cidade. Mas defendeu a realização dos festejos. Opinião compartilhada com o vereador Doduel Varela (PP). Ambos prestaram solidariedade às pessoas que foram afetadas e perderam seus entes queridos.

A reunião pública durou três horas e concedeu espaço à fala de inúmeros fazedores da cultura, a exemplo de quadrilheiros, cantores e mestres da cultura popular. Profissionais que se expressaram de forma emocionada e mostraram com falas simples a complexidade de uma festividade que move a cultura, a economia e o coração de uma gente.

Encaminhamentos - Ao final dos debates, a vereadora Cida Pedrosa destacou como encaminhamentos o lançamento da campanha “São João Solidário” e a formação de uma comissão com cinco pessoas para uma reunião (já acordada, mas ainda em data a ser definida) com os secretários estadual e municipal de Cultura.

A vereadora, que também é escritora e poetisa, citou trechos de um poema que retrata o momento atual: “É dentro dos olhos de cada um de nós que tem a chama da fogueira do São João dos Carneirinhos. É dentro desta chama, a chama da cultura, a chama que nos irmana, a chama que faz da gente, gente. A chama que acalanta cada coração de recifense e das outras cidades que perderam tanto. É essa chama desse calor da cultura, do amor e do afeto, que a gente precisa levar para as pessoas que perderam tanto”.

E para encerrar a reunião, Ronaldo Aboiador recitou: “Pernambuco está de luto e dói em cada coração. Parabéns esse momento, palma e pé firme no chão e pelo amor de Deus devolvam o nosso São João”.

Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.

Em 01.06.2022