Câmara do Recife discute possibilidades para a realização do São João
A Câmara Municipal do Recife realizou, nesta quarta-feira (1º), uma audiência pública sobre ‘O Ciclo Junino’, promovida pela vereadora Cida Pedrosa (PCdoB). Mesmo em luto pelas vidas perdidas com as quedas de barreiras e enchentes causadas pelas fortes chuvas na cidade e pensando em não deixar de celebrar o festejo do São João por conta dos dois anos sem a festividade, que prejudicou a sobrevivência financeira dos fazedores de cultura, que a
Pela importância e necessidade da discussão, a Mesa teve várias composições com vereadoras, vereadores e representantes da cultura na capital e no estado.
Ao iniciar a discussão, Cida Pedrosa explanou a surpresa da notícia sobre a suspensão do São João de 2022. “Neste mesmo dia eu participei de uma reunião do Somos Todos Forró e a conclusão do grupo era que não poderíamos deixar de realizar o São João, porque essa turma é a que mais sofreu e está sofrendo, e via na festividade um respiro para os dois anos de angústia e tristeza. Não estamos aqui para comparar tragédia, a que aconteceu é inigualável”, disse.
O vereador Alcides Cardoso (PSDB) afirmou que a atitude da Prefeitura foi antecipada, sobretudo pelo fato do São João envolver várias pessoas que sobrevivem com a renda do evento. “Sabemos que a cidade está triste, estamos de luto", disse. No entanto, ele acredita que o Município pode ajudar as vítimas das chuvas sem mexer no orçamento destinado aos festejos. "Tenho dados de que a Prefeitura gastou desde o início da gestão R$ 72 milhões com propaganda na TV, tirou R$ 15 milhões das áreas de encosta de barreiras esse ano e só gastou 14% do que foi destinado. Não tem para quê suspender o evento por questão de dinheiro, porque tem de onde tirar”.
Representando o grupo Somos Todos Forró, Tereza Accioly disse que a sua maior preocupação é porque o carnaval também foi suspenso na época e não aconteceu. “O meu medo é esse. Aí eu pergunto: quando será esse novo São João? Porque ele [o prefeito] disse que será no verão; verão para mim é setembro e daqui pra lá já morreu muita gente de fome. A situação está precária, são dois anos pandêmicos, quem tinha alguma coisa, já acabou. São vários artistas e os maiores já tiveram que vender bens para poder manter os músicos. Precisamos de uma resposta urgente da Prefeitura”. Também do grupo Somos Todos Forró, Armandinho Dantas tratou sobre questões pragmáticas enquanto categoria que compõe a cultura local. “Deveríamos estar aqui discutindo aumento de cachês, maior quantidade de festas".
O vereador Ivan Moraes (PSOL) citou um verso da música Revólver, da cantora Flaira Ferro: Uma cidade triste é fácil de ser corrompida. “Não é porque a gente está feliz que festeja; a gente festeja porque a gente precisa ser feliz e a festa traz um pouco disso. A Prefeitura precisa dizer se é um adiamento, porque adiamento tem data e é preciso que seja dito. O verão é uma data muito longe e complicada, porque o verão aqui é em setembro e estamos em ano eleitoral. Festa popular patrocinada pelo Poder Público em ano eleitoral não é muito bom. Nós, da Comissão do Carnaval, estamos propondo para a festividade começar no São Pedro [29 de junho]. Não precisamos economizar esse dinheiro, precisamos executar esse recurso para a atividade que é destinada”.
A vereadora Liana Cirne explicou a ausência do clima de festejo, mas salientou a importância da sobrevivência da cadeia cultural. “Estamos de luto e a discussão não é sobre se estamos ou não no clima de festejo como algumas pessoas fizeram pensar. Defender a cultura e o meio ambiente são temas correlatos e a tutela jurídica da cultura se dá através do direito ambiental, porque o Patrimônio Cultural é considerado Patrimônio Ambiental Cultural. Estamos falando dos mesmos assuntos, precisamos tomar medidas de prevenção. Não estamos falando de entretenimento, festa. Estamos falando do nosso Patrimônio Imaterial. A cultura popular hoje está correndo risco de extinção”, alertou.
Da Federação das Quadrilhas Juninas e Similares do Estado de Pernambuco (Fequajupe), Michele Miguel contou que o São João não é apenas o espetáculo, gera emprego e renda. “Por trás do festejo, tem toda uma cadeia produtiva. A gente teve uma prévia em 1º de maio e já movimentou a cidade toda". Ela lamentou que vários integrantes de quadrilhas juninas também foram afetados pelas chuvas. "Tem vários quadrilheiros que estão desabrigados, por isso a gente retomou a nossa campanha Pau de Arara, para arrecadarmos donativos”.
O vereador Chico Kiko (PP) juntamente com o vereador Doduel Varela (PP) registraram a necessidade do debate tendo em vista a importância do São João. Além disso, eles prestaram solidariedade às pessoas que foram afetadas e perderam seus entes queridos. A vereadora Dani Portela (PSOL) também marcou presença na audiência.
O presidente da Associação de Afoxés, Fabiano Santos, falou sobre o racismo estrutural, sistêmico e ambiental. “Esse crime ambiental vem acontecendo desde maio de 1888, quando a população negra saiu das senzalas e começou a ocupar o morro. O algoz é o racismo estrutural, sistêmico e ambiental. Já se sabe da necessidade do recurso, mas não dá para cancelar o São João. Não se cobre uma tragédia com outra tragédia. Se a gente cancela o São João, a gente amplia a tragédia e isso irradia para todo o Estado, como foi feito no Carnaval”, afirmou.
O vereador Tadeu Calheiros (Podemos) apresentou dados dos recursos da gestão. “A Secretaria de Habitação tem um orçamento de R$ 48 milhões para esse ano e só executou R$ 1,3 milhão. A Secretaria de Comunicação, de R$ 52 milhões, já executou R$ 20 milhões. Tem inversão de valor de como esse dinheiro pode ser buscado. O adiamento do São João é, por necessidade, de luto e acolhimento. Mas, não por falta de dinheiro, porque dinheiro tem".
Por sua vez, o vereador Marco Aurélio Filho (PRTB) destacou que os festejos juninos podem ocorrer ainda este mês. “Quando passar esse estado de emergência, estamos querendo que o nosso Ciclo inicie no dia 29 de junho. A gente tem que fazer um São João de um mês inteiro. Se antes o Ciclo era de 21 dias, que façamos de 30, porque é um grande momento de retomada que o Recife e vocês [fazedores da cultura] estão esperando”, assegurou.
Os fazedores da cultura de modo geral como quadrilheiros, representantes de quadrilhas, conselheiros, mencionaram que o anúncio não foi comunicado previamente a eles, o que causou surpresa e frustração. Além disso, pontuaram a possibilidade de transformar o São João em um ato de solidariedade e salientaram a importância do São João e da cadeia cultural para a cidade e para o Estado.
Ao final da audiência, a vereadora Cida Pedrosa deixou como encaminhamento à gestão o São João Solidário, e que irá, juntamente com a Secretaria de Cultura e o vereador Marco Aurélio Filho, alinhar a proposta.
Em 01.06.2022