Reunião discute julgamento do STJ sobre rol taxativo da ANS

Uma reunião pública promovida na Câmara do Recife nesta terça-feira (14) discutiu os efeitos de um julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tem preocupado os usuários de planos de saúde. Requerido pela vereadora Michele Collins (PP), o debate se debruçou sobre o entendimento, firmado pelo tribunal na última quarta-feira (8), de que a lista de procedimentos e eventos estabelecida pela Agência Nacional de Saúde (ANS) para os convênios é taxativa. Segundo especialistas ouvidos na reunião, a mudança significa o aprofundamento da comercialização do direito à saúde.

A compreensão fixada pela Segunda Seção do STJ desobriga os planos de saúde de arcar com tratamentos que não estejam previstos na lista da ANS. A decisão torna possível, ainda, a contratação de cobertura ampliada pelo usuário para estender a quantidade de tratamentos custeados pelo plano. Também existe a possibilidade de o plano precisar cobrir tratamento que não são previstos na lista, desde que eles sejam recomendados por órgãos técnicos de renome e caso não haja equivalentes no rol taxativo.

Ao dar início à reunião, Michele Collins explicou que a decisão do STJ vai afetar a vida de quem precisa de procedimentos avançados de tratamento, como as pessoas do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). “Na prática, a maioria dos serviços continuarão sendo cobertos pelos convênios. Contudo, há limitação a soluções inovadoras, o que poderá prejudicar alguns tratamentos, especialmente o de pessoas que têm doenças ou deficiências incomuns, como é o caso das pessoas com doenças raras ou com autismo”.

O advogado e mestre em Direito Cristiano Carrilho acrescentou que os pacientes de câncer e os que precisam de cirurgias com equipamentos robóticos também podem sofrer com a decisão sobre a taxatividade. De acordo com ele, a consequência disso é que haverá uma sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esse rol da ANS já era básico e não contemplava muitos tratamentos. A medicina é dinâmica e tem muito medicamento eficiente que já não estava lá. Às vezes, você tem que judicializar o próprio SUS porque você não consegue o tratamento”.

Carrilho afirmou que o entendimento do STJ fere a chamada integralidade do acesso à saúde, estabelecida pela Constituição, em prol dos lucros dos convênios. “Esse bem jurídico, o direito à saúde, pode ser tratado dessa forma, como um comércio?”, questionou, sem deixar de ponderar sobre o problema da busca por procedimentos caros e sem comprovação técnica, o que poderia inviabilizar o funcionamento dessas operadoras. “Existe, também, esse aspecto de se penalizar as operadoras dos planos de saúde quando os procedimentos são absurdos, onerosos e não têm comprovação científica”.

EXEMPLIFICATIVO - As mães que participaram da reunião pública apresentaram suas dúvidas durante a reunião pública, aproveitando a presença do especialista. Uma delas, que disse ser mãe de autista e ativista, quis saber se o rol da ANS pode mudar, uma vez que diversos projetos de lei já estão tramitando no Senado federal. O advogado e mestre em Direito, Cristiano Carrilho, disse que o rol cria jurisprudência, mas não é uma lei. Ou seja, ele depende das interpretações. “Ficou na mão de juízes e tribunais aplicar a lei. Mas se tramitar no Senado, poderá ser revisado depois pelo Congresso. Se houver esse entendimento, a jurisprudência também muda.  Além disso, outra possibilidade de mudar é se a causa for para o Supremo”. A vereadora Michele Collins opinou que essa questão também deveria estar, no seu entendimento, nas mãos do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

A outra convidada da reunião pública foi a advogada Taísa Guedes, especialista em Direito Público e membro da Comissão da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil secção Pernambuco (OAB/PE). Ela participou de forma virtual e falou do prejuízo do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a população. A advogada disse que as pessoas com doença raras sofrerão com a decisão do STJ, assim como as que enfrentam problemas oncológicos. “As negativas a esses usuários já estão ocorrendo. Várias serão as pessoas que vão sofrer, sobretudo as que dependem de home care. Na prática os planos deveriam peticionar para retirar o home care, mas eles estão apenas sendo negados. Infelizmente, estamos diante de um grande bloco econômico e nós somos mais fracos”.

A advogada afirmou ainda que é contra a atividade do rol taxativo em todos os sentidos. “O que sou mesmo é a favor do rol exemplificativo, pois nesse caso cabe ao Judiciário analisar a situação”. O rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS com natureza exemplificativa é o que permite que o acompanhamento do paciente seja ampliado para cobertura de mais tratamentos e procedimentos quando necessário. “Nesse caso, o Judiciário pode determinar o tratamento ou o remédio. Ou seja, o rol exemplificativo é um procedimentos que dá mais poder ao Judiciário”. De acordo com Taísa Guedes, o rol taxativo foi uma das piores decisões já tomadas para os usuários dos planos de saúde. Ela afirmou que “muitos tratamentos já foram negados antes mesmo de sair a decisão do STJ” e que os planos “que já se negavam a cumprir as decisões judiciais, antes, farão muito mais agora”

No encerramento, a vereadora Michele Collins confirmou ser contra o rol taxativo porque ele tem como interesse apenas preservar o equilíbrio econômico do mercado de planos de saúde. “Mesmo assim, tenho certeza de que vamos conseguir mudar essa situação através de mobilização social e política, além do apoio do Judiciário. O ideal seria que as conquistas, que já tínhamos, fossem ampliadas. Mas, pelo contrário, elas foram retiradas”.

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 Em 14.06.2022.