Cida Pedrosa debate a discriminação e a promoção da igualdade racial

Os privilégios e a falta de acesso aos direitos fundamentais como educação, saúde, esporte, lazer, segurança alimentar, convivência familiar e comunitária, ainda são ditadas pela cor da pele num país cuja população é formada por diversas raízes culturais, cores e línguas. Os exemplos de discriminação racial são assustadores, o que levou a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) a realizar uma reunião pública no plenarinho da Câmara Municipal do Recife na tarde desta terça-feira (22), para debater “o enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial”.

O evento também se inclui dentro das celebrações do Dia da Consciência Negra, transcorrido domingo, 20. Essa data foi estabelecida em 2011 e lembra o dia da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, 20 de novembro de 1695, num território que hoje pertence a Alagoas. Dentro dos exemplos que comprovam a discriminação racial no Brasil, segundo a vereadora Cida Pedrosa, que também é escritora e poetisa, está um dado da Unicef apontando que os adolescentes negros entre 12 e 18 anos de idade têm quase três vezes mais chances de morrer vítima de homicídio do que adolescentes brancos na faixa etária.

“Estamos no mês da consciência negra e é dentro dessa perspectiva que o tema desta reunião foi pautado e deve ser discutido. Recebi uma sugestão de uma pessoa negra para eu fazer esta reunião. Mas, eu argumentei que, na Câmara do Recife, temos uma mandata, o mandato da vereadora Dani Portela (PSOL), que tem essa pauta. Fiquei pensando se não estava invadindo o lugar de fala? Mas, a mesma pessoa que me sugeriu a reunião, disse que era importante que a discussão sobre os negros perpasse todos os mandatos. Conversei com Dani Portela, que está com muitas atribuições, inclusive a transição para a Assembleia Legislativa”, explicou-se.

Dados – Em sua fala de abertura, a vereadora Cida Pedrosa disse que o último levantamento do IBGE constatou que 54% da população brasileira é negra e cerca de 30% são pardos. “Ou seja, a grande maioria da população é negra e parda, mas é sub-representada nos espaços de poder e de direção. Entendemos que é fundamental que a Câmara do Recife seja um espaço de discussão junto à sociedade civil para se criar política públicas eficientes para a promoção da igualdade racial”, disse.

Outro dado estarrecedor apresentado pela vereadora foi a notícia veiculada pelo portal de notícia G1, no dia 19. “O site disse que todos os mortos pela polícia do Recife em 2021 eram negros. Em Pernambuco, das 105 pessoas mortas pelas forças de segurança, 101 eram negras e isso faz a gente refletir. Essa realidade precisa ser enfrentado por todos que acreditam que é possível dar um salto civilizatório e na humanidade. A luta antirracista não pode estar restrita às religiões de matrizes africanas”, afirmou.

Cida Pedrosa lembrou ainda que o Brasil é o maior país do mundo em população afrodescendente e o segundo país, depois da Nigéria, com população negra. “O Brasil, no entanto, foi o último país a abolir a escravatura. Eu falo dessas coisas, que podem parecer bobagem, mas não são. Há uma turma conservadora que diz que não houve escravidão e que não há racismo no Brasil. E parte desta turma está nas igrejas cristãs. Temos que botar a mão nessa ferida”. A vereadora acrescentou que, para além das violências praticadas contra os corpos negros, existe a exclusão social do negro, que pela situação financeira, terminou habitando as periferias das cidades. “Os negros não tiveram igualdade de oportunidade na educação, na profissionalização e no trabalho. Os negros ganham 42% a menos do que os brancos; os pardos, assim como as mulheres, ganham 38% menos que os homens brancos. Ao fazermos a discussão antirracista, temos que fazer também nessa perspectiva de classe raça e gênero”.

Resistência - A representante da rede de articulação da Caminhada de Terreiros de Pernambuco, Elza Maria Torres da Silva, Mãe Elza de Yemanjá, falou após a vereadora. Ela foi uma das primeiras mulheres a andar vestida no dia a dia com as roupas religiosas de yalorixá. “Novembro é o mês que retrata uma luta que tem vencido a desigualdade. Muitas vezes só falamos de tristeza e melancolia, mas precisamos tirar o saldo dos que viveram e morreram. No Brasil, acha-se que em novembro se celebra tudo. Mas todo dia é dia de negro. Estamos nos encontrando todos os dia”. Em sua fala antirracista, Mãe Elza de Yemanjá disse acreditar que o mundo foi construído pelos sentimentos do amor, da justiça e do trabalho, mas que as discriminações contradizem esse princípio da criação. “Portanto, é importante não só combater, mas também lutar para que nossos filhos possam andar de cabeça erguida sem ser discriminado”. Ela disse que ficava feliz em ver o Movimento Negro Unificado resistindo e lembrou que a Caminhada de Terreiros de Pernambuco existe há 16 anos. “Nesses anos, só combatemos o racismo”.

O representante do Movimento Negro Unificado (MNU) em Pernambuco, Demir da Hora, falou em seguida, focando na realização de um evento que, desde 1999, tem dado destaque à cultura negra no Recife. “Lutamos por um projeto político, cultural e religioso há 20 anos que é a Terça Negra. Começou no Espaço do Didi, em 1999. Ali havia apenas quatro afoxés. E agora são mais de 30. Os maracatus, antes, só se apresentavam nos carnavais e hoje nossos mestres dão aula e oficinas no mundo inteiro. A força da Terça Negra para as comunidade é muito grande. Junto com os grupos, vieram as ancestralidades do povo negro”. Demir da Hora acrescentou que hoje será realizada a última Terça Negra deste ano, mas lamentou que a Prefeitura do Recife não tenha liberado barracas para a Feira Quilombá.

A presidenta da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro), Erika Waléria, disse que a reunião pública que estava sendo realizada era “um espaço de extrema importância”. Ela lembrou que Zumbi dos Palmares foi um dos maiores líderes brasileiros e que a Lei Áurea não foi um presente dado ao povo negro. “Hoje, conseguimos ocupar espaços de trabalho, das universidade e existe até uma lei do racismo. São avanços. Mas ainda somos nós, negros e negras, a grande maioria dos desempregados, somos a maioria a ocupar os espaços dos subempregos, ganhamos os menores salários e somos nós que, na expressão de ocupar cargos de liderança e gestão, quase não existimos. Ainda somos apenas 38% das matrículas no ensino superior. Temos que avançar. Temos o desafio diário de voltarmos para casa vivos. Somos nós que estamos na mira das armas das policias”.

Verdade - O gerente de Igualdade Racial da Prefeitura do Recife, Marcelo Diniz, disse que muitas pessoas presentes na reunião pública foram importantes no início de sua militância da causa negra. “Hoje me encontro numa tarefa de gestão, mas a militância é uma tarefa de fé. O que nos orienta é o compromisso com direitos humanos e com a luta em defesa de uma sociedade em que as diferenças sejam consideradas valores e que sejam paulatinamente combatidas. Para que, dessa forma, todos os seres humanos tenham direitos à igualdade”. Ele fez um discurso político ressaltando a “dignidade do povo negro que nunca se deixou dominar” e afirmou que a “consciência é inimiga da ignorância, do preconceito e do racismo”. Marcelo Diniz disse que era importante se restabelecer verdades sobre a história para se retomar um processo de desenvolvimento e civilizatório

A conselheira do Comitê Estadual do PCdoB Feminista Antirracista, Lu Matos, disse que a branquitude é perversa a ponto de muitas vezes fazer com que algumas pessoas pretas se esqueçam de onde vieram, “para, dessa forma, cabermos no sistema”. Ela lembrou da primeira vereadora do Recife, Julia Santiago, “que foi embranquiçada pelo sistema”, mas que um artigo do pesquisador Guilherme Machado diz que “em todos os lugares onde ela foi presa foi considerada parda e preta”. Lu Matos também disse que “lugar de espaço de fala sobre o negro é mais do povo branco, porque o racismo é do povo branco”. Nesse aspectos, reconheceu que a vereadora Cida Pedrosa tem o papel de fazer avançar a causa negra para que “a conversa flua e possa construir políticas públicas”. Ela também criticou o machismo e disse que ele perpassa todos os preconceitos, inclusive o racial. Em seguida, a reunião foi aberta para todos os participantes que estavam inscritos para falar sobre o tema. A reunião foi encerrado com um momento de música, em comemoração.

Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.


Em 22.11.2022.