Audiência pública coloca atenção primária à saúde em debate
Os pontos centrais da audiência giraram em torno do Previne Brasil, o novo modelo de financiamento da atenção primária à saúde que foi implementado pelo Governo Federal em 2019 e que prevê o pagamento por desempenho dentre os seus critérios de repasse de recursos para os municípios.
A regulamentação da matéria foi alvo do projeto de lei do Executivo municipal nº 54/2022, aprovado em segunda discussão pelo plenário da Câmara do Recife na última terça-feira (6). Por meio desse projeto, são criadas bonificações de desempenho para agentes públicos municipais lotados nas estratégias de saúde da família e de agente comunitário.
No entanto, como critério para o pagamento dessas bonificações, a Prefeitura estabeleceu que devem ser observados não só os indicadores de desempenho definidos pelo Ministério da Saúde, mas também novos indicadores estabelecidos pela Secretaria de Saúde do Recife. Tais critérios incluem avaliações de satisfação dos usuários e a quantidade de atendimentos prestados, o que tem gerado questionamentos de representações de classe. De acordo com elas, esses indicadores não servem para medir a qualidade do serviço dos profissionais – as avaliações dos usuários, por exemplo, poderiam ser influenciadas por fatores exteriores a eles, como a falta de insumos e medicamentos.
Ao dar início à audiência, o vereador Ivan Moraes expôs outra preocupação relativa à implementação do Previne Brasil: a transparência na destinação dos recursos federais pelo município entre a instituição do novo modelo e a regulamentação, que se dá apenas agora. De acordo com ele, a Prefeitura não respondeu a pedidos de informação sobre a execução de valores destinados pelo programa ao Recife entre 2020 e 2022. “Embora esse programa seja de 2019, apenas agora a Prefeitura do Recife regulamenta como será o desembolso desses recursos. Mas ainda há muitas dúvidas”.
Por sua vez, Dani Portela cobrou uma implementação do Previne Brasil que não contribua para a precarização da saúde e que conte com participação social para definir os detalhes do financiamento. Ela frisou, ainda, dados levantados por Ivan Moraes sobre o baixo crescimento da cobertura da estratégia da saúde da família no município – que, de acordo com a Prefeitura, se encontra em 59,4% da população. “Se faz necessário que a Secretaria de Saúde, aqui representada, responda sobre como diminuir essa defasagem”.
Tadeu Calheiros também cobrou mais esforços do município para a melhoria da atenção primária, além de transparência sobre os recursos recebidos e participação social no debate sobre o Previne Brasil. “Onde foram alocados esses recursos? Em um ano de pandemia, os profissionais estavam sob uma insalubridade ainda maior, um risco maior. Essa pergunta tem que ser respondida”.
Na audiência, a sociedade civil e os servidores da saúde foram representados pela diretora-executiva do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (SIMEPE), Lilian Parra, pela presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco (SEEPE), Ludmila Outtes, pelo diretor do Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem (Satenpe), Gomes Filho, e pelo diretor do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), Itamar Lages.
Em sua intervenção, Ludmila Outtes resumiu algumas das preocupações dos participantes a respeito do viés ideológico do Previne Brasil – que, de acordo com ela, aproxima a saúde pública da lógica da gestão a saúde do setor privado. Em relação a isso, um dos pontos levantados na audiência foi o movimento realizado, pela Prefeitura do Recife, de estabelecer parcerias público-privadas para a gestão das unidades de saúde.
Ainda segundo Outtes, a regulamentação do Previne Brasil não foi devidamente pactuada com os servidores. “A portaria do Previne Brasil foi publicada em 2019 e agora, em novembro de 2022, é que a gestão chamou os sindicatos para conversar sobre a regulamentação aqui no município. O município deixa para a última hora, faltando poucos dias para acabar o prazo de mandar o projeto de lei", criticou. "Na verdade, a gente não teve chance de diálogo”.
A Secretaria de Saúde do Recife foi representada na audiência pela coordenadora do Núcleo de Informação, Inovação, Monitoramento e Avaliação da Atenção Básica, Ariane Bezerra. Durante o debate, ela se comprometeu a enviar à Câmara, no prazo de 20 dias, o detalhamento da execução dos recursos do Previne Brasil recebidos pela Prefeitura. De acordo com o Poder Executivo, o montante foi utilizado inteiramente no custeio da atenção básica.
Ao responder aos questionamentos sobre os planos do município para a expansão da atenção primária à saúde, Bezerra afirmou que a previsão é de aumento da cobertura para 62% até o final de 2023 e de 65% até 2024. A taxa baixa de ampliação da rede nos últimos dois anos foi justificada pela necessidade de recompor os quadros funcionais das unidades existentes.
A respeito dos repasses de recursos do Previne Brasil aos servidores, a representante da Secretaria de Saúde afirmou que esse tipo de operação não será feito já em 2022 por questões administrativas. Ariane Bezerra explicou, ainda, que o modelo de financiamento pode ser modificado com a transição de governo no plano federal. A gestora acrescentou que a opção pela bonificação ocorre de acordo com uma política definida pela gestão municipal.
“Dentro do Previne, não foi estipulado o repasse para trabalhador. Não tem na portaria, nem em nenhuma nota técnica, o repasse do valor de desempenho para trabalhador. O que a portaria fala é que o valor recebido é para o custeio da atenção básica”, apontou. “Mas, considerando a priorização que a gestão atual está dando para a atenção básica, foi definido que a partir deste ano a gente vai repassar o valor dos indicadores de desempenho. E isso é o que tem sido discutido com os sindicatos e com a Secretaria de Gestão do Trabalho”.
Bezerra afirmou que a definição dos critérios municipais para o pagamento de bonificações está em negociação com os trabalhadores, inclusive as perguntas a serem feitas nas pesquisas de satisfação dos usuários. “A Secretaria de Saúde entende que os indicadores do Previne não correspondem a um olhar em relação à qualidade da atenção básica. Dessa forma, foi pensado em inserir indicadores que a gente denominou indicadores municipais”.
Em relação às expectativas de implantação de parcerias público-privadas na atenção básica do Recife, Ariane Bezerra informou que essa ação está “em fase de diagnóstico” pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.
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Em 07.12.2022