Audiência pública debate políticas públicas voltadas à pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Segundo Michele Collins, a oportunidade de debater a questão na Câmara Municipal do Recife é de grande relevância. “Um momento para debatermos sobre necessidades [de um grupo de pessoas], nesta Casa legislativa que tem sido um espaço de inúmeros debates com ações destinadas sobretudo à melhoria da qualidade de vida destas pessoas, seja por meio de requerimentos, projetos, pronunciamentos, políticas públicas, campanhas, entre outras ações desenvolvidas”.
A vereadora citou aspectos do autismo, doenças raras e defendeu a inclusão social. “O autismo não se trata de uma doença, mas de uma condição relacionada ao desenvolvimento do cérebro que altera a maneira como as pessoas que estão nesse espectro enxergam e compreendem a realidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), atinge de 1% a 2% da população mundial, ou seja, aproximadamente 70 milhões de pessoas, das quais são cerca de dois milhões no Brasil. Buscamos também difundir conhecimento e procurar apoiar as pessoas com doenças raras, bem como para as iniciativas que objetivam melhorar o tratamento de pacientes com essas enfermidades. Quanto ao autismo, atualmente tramita nesta Casa legislativa cinco projetos de nossa autoria, a exemplo do projeto de lei 278/2022 que dispõe sobre a disponibilização nos sítios eletrônicos da Administração Pública do Recife uma plataforma direcionada às pessoas com TEA. Tenho dois filhos portadores de doenças raras e, para mim, é um desafio diário e sei o que se passa no coração dessas mães a cada exame, resultado e diagnóstico”.
Os vereadores Marco Aurélio Filho (PRTB); Doduel Varela (PP); Liana Cirne (PT); Elaine Cristina, do Pretas Juntas (PSOL) e Ronaldo Lopes (PSC) estavam presentes na audiência e fizeram questão de prestar apoio aos presentes.
O deputado estadual Cleiton Collins (PP) ressaltou que a temática é muito importante e que o Estado precisa abraçar a causa. “As doenças raras têm uma certa dificuldade no diagnóstico e na assistência às famílias que precisam muito. É preciso também chamar toda a sociedade para enfrentar e identificar os direitos da população, da família e a saúde, de um modo geral, que é um direito de todos e todas. Algumas patologias são difíceis na identificação, além do tratamento e acolhimento. O Estado precisa abraçar a causa de uma forma em geral. Mas não só o Estado, como também nos municípios”.
O deputado federal Lula da Fonte (PP) enfatizou que Pernambuco tem carência nas políticas de inclusão. “É uma ausência nos municípios pernambucanos e a gente vai lutar, conversando com os prefeitos, para inaugurar a Casa Azul. Em Garanhuns, 38 municípios são associados, mas apenas dois municípios ofertam as casas azuis. Então, já estou em diálogo direto com esses municípios para que a gente possa destinar emendas em Brasília para construir essas casas”. Ele contou que propôs um projeto de lei para instituir o fundo nacional para bancar pesquisas de doenças raras e do Transtorno do Espectro Autista para o Estado. “Vamos estar lutando para aprovar o projeto com mais celeridade para que a gente possa oferecer, por parte do governo federal, estadual e municipal, o maior aparato em relação aos estudos das doenças raras.
Representando o Movimento Pró Autismo Carlos Nascimento, autista grau leve, lamentou a situação em Pernambuco. “São mais de 100 mil pessoas com autismo sofrendo no Estado de Pernambuco, fora as outras deficiências que existem. Infelizmente, os poucos profissionais especializados que temos não atendem a demanda. A nossa esperança é a fala da nova governadora, Raquel Lyra, que disse que iria criar uma Secretaria da Pessoa com Deficiência e um centro especializado em cada município do Estado”.
A presidente da DONEM Suhellen Oliveira, mãe de dois filhos com atrofia muscular espinhal, confessou as dificuldades enfrentadas e sugeriu o modo de atendimento nas unidades de saúde públicas. “As pessoas com doenças raras e os autistas vêm sendo negligenciadas há muitos anos, por mais que a gente tenha caminhado, mas na prática é muito difícil. Os tomadores de decisões dos setores específicos das secretarias precisam agir. E o que incomoda muito é a fila de espera na escola que ainda acontece para pessoas cadeirantes, além da falta de transporte adaptado”.
Já o auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas de Pernambuco, João Francisco de Assis, citou que realizou um trabalho sobre o autismo. “Foi feito um levantamento no Estado para averiguar como é que estava a prestação de serviços direcionados a esse público, no âmbito da saúde. Constatamos que existem leis federais, estaduais ou municipais com direitos garantidos ao público e o que falta, hoje, é uma organização estatal, seja no âmbito do estado ou do município. Os agentes públicos precisam organizar uma estrutura para prestar um atendimento de qualidade e incentivo para que os profissionais sejam contratados com salários adequados”.
Por sua vez, a Assistente Social do Núcleo Interprofissional de Assessoria Especializada do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Élida do Nascimento, citou o papel do Estado e disse que esperava ações após a audiência pública. “Que a gente saia desse recinto com propostas concretas que vislumbrem o devido atendimento ao artigo 8 da Lei Brasileira da Inclusão”.
Élida Maria Oliveira, que se identificou como mãe atípica e falou sobre as dificuldades enfrentadas diariamente por ela e a filha Manu, de 12 anos, perante a sociedade. “Uma frase que sempre ouço quando Manu tem alguma crise é: “não parece”. Como se para alguém ser, é necessário parecer. Como se a aparência antecedesse o ser. Como se um ou uma pudesse dizer quem é alguém pelo o que aparenta ser. É como não reconhecê-la como uma pessoa, e sim como uma ideia que antecede ela”, expôs.
Segundo ela, a estigmatização de pessoas atípicas pela sociedade é “superficial e imediatista”, o que faz com que pessoas autistas e as famílias sofram. “Muitas vezes, esse olhar compartimentado é colocado num conceito como se todo mundo pudesse ter algum conceito. Como se pudesse encaixar em algum determinado conceito. E o espectro do autismo mostra para a gente que não existem caixinhas, que cada um tem a sua particularidade e singularidade”.
O gerente da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos da Prefeitura do Recife, Paulo Fernando, explicou as ações da pasta. “É articular a implementação de políticas públicas no Recife. Temos hoje um comitê na cidade setorial para a política de inclusão da pessoa com deficiência. Nossa gerência está apresentando o primeiro Plano Municipal da Pessoa com Deficiência do Recife, fizemos uma minuta, já apresentamos de forma preliminar e esse documento estará à disposição de uma consulta pública porque a gente quer ouvir também vocês”.
A médica Paula Arruda, geneticista chefe do setor de Genética do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM), sugeriu um programa de saúde mental para as mães e um Compaz Azul. “Um grupo de apoio porque elas têm que ter um ambiente de escuta. E defendo um Compaz Azul porque as pessoas com autismo são extremamente artísticas e sensíveis. Eles gostam de música, dança, idiomas, computação gráfica e de desenhar. Gostam de tudo o que é diferente”.
Ela explicou que o autismo é uma “doença ordinária” e que está cada vez mais comum nas crianças por ser poligênica e multifatorial. Ela explicou que o que vem causando a alta quantidade de bebês e crianças autistas é o ambiente, “porque a cada dia que passa as pessoas sofrem mais” e têm problemas ainda na gravidez.
“O que tem que existir é uma reforma na sociedade, não necessariamente centros médicos. Se há um político que não se agrada do segmento e é ecológico, então faça um centro de convivência e crie um bosque para autistas. Que se faça programa de saúde mental para as mães, grupo de apoio. Elas precisam. Elas precisam ter um ambiente de escuta, senão enlouquecem no meio do caminho e não chegaremos a lugar nenhum”, disse.
Paula Arruda também propôs ações de pouco custo para o atendimento multiprofissional às pessoas autistas. “Eu quero um centro de artes, porque as pessoas com autismo são extremamente artísticas e sensíveis. Elas gostam de música, dança, idiomas, computação gráfica, de tudo o que é diferente e eclético. Então, tem que ter um lugar para acolhimento. Não vai ter terapia ABA para todo mundo, porque é muito cara e específica. Mas tem que ter capacitação para quem trabalha nas escolas e também melhorar o salário dos auxiliares”, afirmou.
A secretária Executiva de Regulação Média e Alta Complexidade da Secretaria de Saúde do Recife, Anna Renata Lemos, exaltou a área da saúde e ressaltou que ela precisa estar atrelada a outros setores. “Há várias necessidades das pessoas com deficiência do espectro autista e das doenças raras. A saúde é uma área extremamente importante, mas não deve ser a única porque não é só a necessidade de saúde. Elas precisam, sim, estarem na escola. A gente tem dificuldade de encontrar na rede profissionais que trabalham com reabilitação e autismo. A gente precisa fazer um plano de educação permanente para preparar essas pessoas”.
Da gerência de Educação Especial da Secretaria de Educação, Adilza Gomes disse da criação de um núcleo de avaliação da inclusão escolar. "No dia 30 de janeiro, o prefeito João Campos assinou um decreto trazendo essa orientação de como vai ser a organização destes apoios escolares, considerando os níveis de suporte: leve, moderado, severo e casos especiais. Neste decreto vem trazendo a relação adulto X criança. Em nenhum momento será a escola sozinha que vai decidir. A gente já começou a fazer em algumas unidades coletivamente com a equipe da gerência de educação especial, gestão da escola, coordenação pedagógica, professores e família".
O gerente da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Política Sobre Drogas da Prefeitura do Recife, Paulo Fernando, fez questão de observar o avanço que a Câmara do Recife teve na acessibilidade “arquitetônica e de comunicação”, mas observou a necessidade da ampliação com a audiodescrição, por exemplo.
Paulo Fernando explicou que a gerência da Pessoa com Deficiência não tem como objetivo “efetivar e executar as políticas públicas, e sim articular a implementação dessas políticas, e até apresentar propostas em nível do Recife”. Ele afirmou que pessoas com deficiência, doenças raras e autistas não precisam de atenção apenas na saúde e educação. “Precisam também no lazer, na qualificação profissional, no mercado de trabalho. Elas precisam ser inseridas no programa de habitação. Pensar nessas pessoas na cultura de forma mais ampla, com direitos e deveres. Aquele cidadão que precisa exercer a sua cidadania. Essas políticas precisam chegar a essas pessoas”.
Segundo ele, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou, em 2010, que há 431 mil pessoas com deficiência no Recife, ou seja, “requer muito esforço, planejamento e escuta da sociedade pela gestão municipal para saber do que as pessoas necessitam”.
Encaminhamentos - Entre os encaminhamentos da audiência pública, a vereadora Michele Collins destacou a fiscalização da lei municipal 18.409/2017, de sua autoria, que dispõe sobre a implantação de um Serviço de Referência de Doenças Raras no município, com uma visita in loco ao Rarus, vinculado ao Hospital Maria Lucinda, que está localizado no Derby, área central do Recife.
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Em 13.03.2023