Audiência pública discute políticas que levem em conta envelhecimento de mulheres trans e travestis

“Travestis também envelhecem”. Essa foi a afirmação que serviu como o tema de uma audiência pública realizada na Câmara do Recife na tarde desta sexta-feira (14) para discutir políticas públicas específicas para as mulheres trans e travestis em processo de envelhecimento. O evento, realizado por iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL), contou com a participação de representantes de movimentos sociais e da Prefeitura do Recife.

A mesa da audiência, presidida pelo parlamentar, foi composta pela representante da Gerência da Pessoa Idosa da Secretaria de Assistência Social do Recife, Cacilda Medeiros; pela coordenadora da Política Municipal de Saúde da População LGBT, Daiane Alves; pela coordenadora da ONG Gestos, Jô Meneses; pela representante do Grupo de Mulheres Trans/Travestis 50+, Michelly Cross; e pelo secretário executivo do Trabalho do Recife, Wellington Batista da Silva.

Na ocasião, o vereador não deixou de notar que a audiência decorre de um fenômeno relativamente novo para um grupo constantemente vitimado pela violência: a oportunidade de envelhecer como os demais segmentos sociais. “Acho que, pela primeira vez, a gente debate a situação das pessoas trans e travestis que envelhecem. É uma população que tem uma média de idade inferior a 40 anos de idade e agora a gente precisa se debruçar sobre os casos dessas mulheres, principalmente mulheres trans, que estão chegando aos seus 50, 60, 70 e até 80 anos, e que precisam de ações específicas para esse segmento”.

A audiência contou com a apresentação de um levantamento sobre o perfil das travestis e mulheres trans do Recife, apresentado pelo sociólogo Manoel de Lima Acioli Neto. No estudo, feito com 36 entrevistadas a partir dos 50 anos, foram encontrados dados que indicam as dificuldades na retificação de seus nomes nos documentos oficiais, um percentual de analfabetismo (12%) maior que o da população em geral (8,3%), situações de moradia inadequada, renda menor que a média mensal do brasileiro, vulnerabilidade ao trabalho sexual, relatos de discriminação e agressão. Também foram levantadas as especificidades do cuidado com a saúde dessa população, como a necessidade de terapia hormonal específica para a idade, manutenção de próteses e vulnerabilidade ao HIV/Aids.

De acordo com Jô Meneses, o envelhecimento das mulheres trans e travestis precisa despertar no poder público um cuidado específico com essa população “Se você vai fazer uma pesquisa, você vai ver que tem muito mais mulheres usando o seu documento com o nome social. E você vai ver as mulheres mais velhas em um número muito menor com os seus documentos com o nome social. São gerações diferentes, são questões diferente que foram atravessadas por uma conjuntura histórica muito diferente. E, claro, foi muito importante que elas viessem para abrir caminhos para as jovens, mas a gente não pode esquecer delas. A gente precisa que elas estejam no orçamento, que elas estejam incluídas em todas as políticas”.

Michelly Cross afirma que essas políticas precisam ser centradas em quatro eixos: saúde, educação, habitação e segurança. “Dentro desses conceitos, eu enxergo a saúde como um ponto fundamental, até porque não temos profissionais especializados, nem tampouco medicações especializadas. Assim como a habitação. Muitas das meninas que hoje já recebem o auxílio emergencial deveria poder receber pelo menos um complemento de auxílio-moradia”.

Segundo Daiane Alves, a Prefeitura do Recife já investe em alguns dos pontos levantados na audiência em relação ao atendimento em saúde, como a descentralização do cuidado ambulatorial e terapias hormonais específicas para populações mais velhas. Ela afirmou, ainda, que o Executivo promove cursos de formação para os profissionais da rede. “Como foi trazido em toda a discussão, são histórias de vida muitas vezes passadas por violações, por não acessos e quebras de ciclo em relação à educação, ao trabalho. Então todo esse processo afeta diretamente a saúde dessa população. É importante que a gente observe que elas estão envelhecendo, o que por outro momento não acontecia. Provoca a gente a pensar em como observar essas pessoas na rede SUS do Recife para que a gente consiga garantir um acesso de qualidade”.

Ao final da audiência, Ivan Moraes destacou dois dos encaminhamentos definidos no evento. “Um é a Prefeitura se comprometendo a estudar a possibilidade de criar um protocolo para que pessoas travestis e trans possam ter acesso ao Hospital do Idoso a partir dos 50 anos. Até porque, a média de idade sendo 35, as pessoas que chegam aos 50 já estão em um processo de envelhecimento e já precisam de políticas específicas, inclusive na saúde”, disse. “E o outro, trazido pela Secretaria do Trabalho, foi a disposição de levar cursos profissionalizantes nos locais em que essas pessoas se reunirem a partir de convite realizado pelas organizações sociais que as atendem. Eu acho que são duas medidas interessantes, mas ainda há muito caminho pela frente para que a gente possa garantir 100% o direito de todas essas pessoas”.

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Em 14.04.2023