Audiência pública examina gastos da Prefeitura com comunicação

Um conjunto de gastos voltados para a propaganda institucional, focado na compra de espaços na grande mídia e desvinculado do debate sobre as políticas de comunicação como direito humano. Esse é o quadro da comunicação da Prefeitura do Recife traçado em uma audiência pública promovida pela Câmara Municipal na tarde desta quarta-feira (26), por iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL). O debate, que contou com a participação de membros de entidades de luta pelo direito à comunicação e do Poder Executivo, ocorreu no plenarinho da Casa de José Mariano.

Moraes salientou que o evento faz parte de um acompanhamento contínuo do seu mandato às despesas da Prefeitura no setor. “A nossa audiência pública anual sobre os gastos da Prefeitura com comunicação já é tradição nesta Câmara. Infelizmente, a Prefeitura do Recife continua utilizando quase todo o recurso que tem para a comunicação com propaganda. E esse é o grande nó que precisa ser desatado. É imprescindível que a Prefeitura reconheça comunicação como direito humano e compreenda que, para esse direito existir, é preciso que haja políticas públicas com essa finalidade”.

De acordo com o vereador, compreender a comunicação como direito humano significa dizer que, sem ela, os demais direitos não são atingidos plenamente. “Os direitos humanos são universais, interdependentes e indivisíveis. É impossível se garantir o direito à saúde sem garantir o direito à comunicação. Você pode ter vacina, hospital, médico, remédio. Mas se a pessoa não tiver a informação de saber onde tem que levar a criança para tomar vacina, ela não vacina”.

Durante a audiência, foram apresentados dados coletados pelo gabinete do vereador sobre as despesas em comunicação da Prefeitura no ano passado. Em 2022, o Poder Executivo gastou R$ 51,2 milhões com campanhas publicitárias; enquanto isso, o investimento em habitação do município, por exemplo, ficou em R$ 4 milhões no mesmo ano. Desses gastos, 80% foi destinado a ações de publicidade institucional de autopromoção da gestão, enquanto 20% teve caráter educativo a respeito dos serviços da Prefeitura.

Em relação à destinação dos recursos por veículo de comunicação, o levantamento constatou que 13% do montante gasto pela Prefeitura com publicidade foi revertido para uma única empresa de telecomunicação – o dobro das duas empresas que ficaram em segundo lugar como beneficiárias, cada uma com 6% dos recursos. Nenhum veículo comunitário, popular ou de periferia aparece no ranking dos dez maiores receptores de verbas publicitárias da Prefeitura.

Líder do governo na Câmara, o vereador Samuel Salazar (MDB) também esteve presente no debate. Ele elogiou Ivan Moraes por chamar a atenção para a questão dos gastos com comunicação. “Não é por estar na condição de líder de governo que não temos o papel institucional de fiscalizar o Executivo. Quando Ivan trouxe esse tema para a Câmara, também passei a acompanhar”.

Integrante da coordenação executiva do Intervozes, um coletivo de luta pelo direito à comunicação, a jornalista Gyssele Mendes foi uma das participantes a indicar a necessidade de políticas públicas específicas para a comunicação enquanto direito humano no Recife. “Uma das coisas que ficou muito latente nesta audiência é como os direitos humanos estão relacionados aos outros direitos humanos e como a gente precisa, para garantir o acesso à saúde, à educação, ao trabalho e à renda, também garantir o direito à comunicação”.

A Prefeitura foi representada pelo seu gerente geral de Projetos Especiais de Comunicação, Rodrigo Pimenta, que detalhou as ações do Executivo no setor. “Hoje, os recursos de comunicação são basicamente utilizados para poder trazer ao máximo de pessoas possíveis a prestação de contas e um trabalho educativo, sobretudo de cidadania, que é necessário ser feito. Utilizamos não somente a parte de mídia de massa, mas também uma série de mídias de aproximação, que vão desde as mídias exteriores até a trabalhos que vão dentro das comunidades e às redes sociais e à Internet. A gente tem feito isso sobretudo com uma linguagem mais próxima da população e menos formal”.

A mesa da audiência também foi composta pela idealizadora do coletivo Mídia Independente e Popular Sargento Perifa, Martihene Oliveira, e pelo coordenador-geral do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação, Admirson Medeiros Ferro Junior. Participantes que assistiam à audiência no plenarinho da Câmara também puderam se pronunciar durante o evento.

Os debates geraram uma série de possíveis encaminhamentos, como a criação de uma conferência municipal de comunicação e uma proposta de vetos a gastos com anúncios do poder público em programas de radiodifusão e veículos que afrontem direitos humanos. Ao final da audiência, apenas a análise sobre esse veto foi incorporada à ata da audiência como encaminhamento a ser seguido pela Prefeitura.

“A gente conseguiu hoje um [encaminhamento] relevante, que precisaremos correr atrás: o compromisso de a Prefeitura avaliar a possibilidade de vetar a propaganda pelo menos e programas e veículos que violem direitos humanos”, afirmou Ivan Moraes. “A gente espera que esse compromisso seja cumprido”.

De acordo com Rodrigo Pimenta, as considerações feitas na audiência serão estudadas pelo Poder Executivo. “Ouvir a população e as representações civis é uma obrigação do poder público. Sobretudo, além de olhar para essas demandas, o que a gente tem como base aqui é descobrir como a gente pode transformar isso em novas atitudes. E é isso que a gente vai levar para o nosso gabinete para poder ver o que vai produzir de novo para poder responder a essas demandas”.

Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.

Em 26.04.2023