Reunião solene homenageia os 59 anos da chegada de dom Hélder a Pernambuco

Ele era um religioso que acreditava numa igreja de orações e sacramentos, mas que também que se dedicava aos problemas humanos. Deus, em sua compreensão teológica, era o Pai celestial preocupado com o bem-estar dos Filhos mais enfraquecidos aqui na terra. Assim era Dom Hélder Câmara, para muitos o Dom da Paz, que se estivesse vivo estaria comemorando 59 anos da chegada a Pernambuco, igual tempo de nomeação como Arcebispo de Olinda e Recife. Para homenageá-lo como um dos nomes mais importantes da Igreja Católica no Brasil, no século 20, a Câmara Municipal do Recife realizou reunião solene, por iniciativa da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), na noite desta quarta-feira (12).

A solenidade funcionou como um momento de saudação à memória de dom Hélder, falecido em agosto de 1999, aos 90 anos, e a reafirmação do seu papel na construção de uma igreja propositiva e servidora, voltada para os pobres e excluídos. Quem conduziu  a reunião foram os vereadores Romerinho Jatobá (PSB), presidente da Câmara do Recife, e Zé Neto (PROS), que compuseram a mesa com a vereadora autora do requerimento; padre Pedro Rubens Ferreira de Oliveira, reitor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap); Antônio Carlos, representando o arcebispo de Olinda e Recife; o monge beneditino Marcelo Barros, teólogo e escritor; irmã Wanda, presidente do Conselho Curador do Instituto Dom Hélder Câmara; e Célia Trindade, vice-presidente do Conselho Executivo do Centro Dom Hélder Câmara (Cendhec).

Discurso - Como é de praxe nessa solenidade, o Hino Nacional foi executado e o presidente convidou Cida Pedrosa para ocupar a tribuna. Em seu discurso, a parlamentar disse que a ação pastoral de Dom Hélder estimulou reflexões teológicas, mas também incentivou uma teologia da libertação e a construção de uma igreja voltada para os pobres. Ela lembrou, também, que ele foi um nome símbolo da resistência da ditadura militar de 1964 e da justiça social. Cida Pedrosa começou o discurso recitando um poema de Dom Hélder, “O Cavalinho Azul”, depois leu mais dois, de outros autores.

“Eu acho que estamos lançando aqui o início do rumo da chegada de dom Hélder a Pernambuco. Isso aqui é um ponto de partida. Citei poemas porque Dom Hélder carregava consigo o choro da poesia, o choro de Deus”, disse Cida Pedrosa. A vereadora falou de sua vida pessoal e afirmou que Dom Hélder “foi farol em minha vida e de uma geração inteira”. Depois, citou três momentos em que conviveu com o arcebispo. Em todos, a vereadora atuou como advogada do movimento dos trabalhadores rurais e contou com o apoio do religioso.

Cida Pedrosa afirmou que “homenagear dom Hélder é sempre falar de amor e justiça, este homem cujo legado ainda reverbera nos dias atuais. É revisitar nossa história como povo e reafirmar o nosso compromisso para com a democracia. Talvez algumas pessoas tenham estranhado que eu tenha proposto a realização desta reunião nos antecipando em um ano, já que o aniversário dos 60 anos da chegada dele será comemorado em abril do próximo ano. Fizemos esta reunião faltando um ano, de propósito, para registrar este evento durante todo o ano. Além disso, não podemos esperar mais um ano, é urgente reafirmamos os princípios democráticos e de justiça e de paz.”.

A vereadora assegurou que, ao propor a reunião solene para hoje, tinha a intenção de “trazer para nossa memória o legado do amor, da justiça e da paz que este dom nos deixou”. Ela também relembrou que em 11 de setembro de 1967, uma segunda-feira há 26 anos, dom Hélder Câmara recebeu o Título de Cidadão Honorário do Recife. “Naquele contexto político, não foi fácil ter a aprovação do título, pela Câmara. Poucos anos depois, seria inimaginável que o título fosse dado, pois logo em seguida, a ditadura se consolidou. Desde então, o nome de dom Hélder sequer podia ser pronunciado em público. Dom Hélder sabia do caminho que a sociedade brasileira tomava”.

Ela leu parte do discurso cujo título foi “Balanço de um pastoreio”, que o religioso fez, na ocasião, na tribuna da Câmara do Recife. E disse que ele ainda estava atual e o comparou ao papa Francisco, pela defesa das causas sociais e pelas suas causas e propostas, como a Justiça e Paz. Despois, a vereadora afirmou esperar que os 60 anos da vinda de dom Hélder para Pernambuco, em abril do próximo ano, possam ser celebrados “com a utopia da música do cantor e compositor Milton Nascimento chamado Coração Civil”. E finalizou o discurso com os versos da letras da música.

Pastoreio - Após o discurso de Cida Pedrosa, o vereador Romerinho Jatobá passou a presidência da solenidade ao vereador Zé Neto (PROS). Os músicos Cyntian e Ramos (voz e violão) fizeram uma apresentação. Antônio Carlos, o representante do arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, fez o discurso de agradecimento. “Ocupo a tribuna com duas missões que me honram, representar o arcebispo e na condição de diretor executivo do Instituto Dom Helder Câmara. O Idhec é o guardião da documentação de sua vida e de sua memória”, registrou.

Antônio Carlos agradeceu a Cida Pedrosa pela realização da solenidade. O discurso dele enfocou a espiritualidade de dom Hélder. “É ela quem explica todos o seu pastoreio em Olinda e Recife. O humanismo de dom Hélder decorre do seguimento a Jesus e ao seu Evangelho”. Nessa espiritualidade, segundo ele, Dom Hélder fazia vigílias, todos os dias, das 2h às 4h da manhã, com orações. Ele disse que o religioso “tinha intimidade com Deus” e que em numerosas ocasiões, dom Hélder foi visto chorando durante a realização da Missa. Ele também disse que “a força de dom Hélder era a mobilização dos pequenos e dos enfraquecidos”.

Antônio Carlos fez um discurso longo, recheado de dados biográficos e da atuação de dom Hélder. Depois, no telão do plenário da Câmara do Recife, foi exibido um vídeo com um trecho da fala de Dom Hélder, além de outros com depoimentos de Chico Pinheiro, Leonardo Boff, Frei Betto, padre Júlio Lancelotti, Chico Buarque e Zé Vicente. A irmã Wanda, presidente do Conselho Curador do Instituto Dom Hélder Câmara, também fez um discurso. Ela leu um poema de dom Hélder, escrito em 1976, que está nas Meditações do Padre José (heterônimo do dom Hélder, num livro escrito para o seu Anjo da Guarda).

Biografia - O monge beneditino Marcelo Barros, teólogo e escritor, foi convidado a falar e disse que hoje era o aniversário da Encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra) do papa João XXIII, dirigida a todas as pessoas de Boa Vontade. “Lembrar isso nesse momento é lembrar que dom Hélder é, para nós, o Dom da Paz”. Ele disse que o religioso, muitas vezes, foi comparado ao papa. Os meninos da Casa Frei Francisco fizeram uma recitação e também leram dados da biografia de dom Hélder.

Dom Hélder Pessoa Câmara nasceu em 1909, em Fortaleza, no Ceará, onde entrou no Seminário da Prainha de São José com 14 anos. Com 22 anos ordenou-se sacerdote e em 1952 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu por 28 anos. Foi também no início dos anos 1950 que Dom Hélder fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 1964, foi nomeado o sexto Arcebispo de Recife e Olinda, pouco antes do Golpe Militar, tornando-se também um símbolo da resistência à ditadura e ao autoritarismo.

Durante toda sua vida, Dom Hélder se dedicou de forma irmanada à sua fé e aos direitos humanos, sobretudo às pessoas mais carentes, silenciadas e excluídas. No seu período enquanto Arcebispo de Recife e Olinda também fundou diversos grupos de direitos humanos como a “Comissão de Justiça e Paz”, o “Movimento Encontro de Irmãos” e o “Banco da Providência”, além de atuar junto a diversos outros grupos, movimentos estudantis, operários e ligas comunitárias.

Após escrever um manifesto de apoio à ação católica operária, foi acusado de comunista, sendo proibido de se manifestar publicamente. O reconhecimento do trabalho de Dom Hélder vai além do Brasil, durante a ditadura, foi à Paris denunciar as práticas de tortura e a situação dos presos políticos no Brasil. Ele também recebeu diversos prêmios internacionais, entre eles o Prêmio Martin Luther King, sendo indicado 4 vezes ao Prêmio Nobel da Paz, tornando-se o brasileiro mais vezes indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Faleceu no Recife no dia 27 de agosto de 1999. Em 2014, Dom Fernando Saburido, então Arcebispo de Recife e Olinda, solicitou ao Vaticano a abertura do processo de beatificação e canonização de Dom Hélder Câmara.

A vice-presidente do Conselho Executivo do Centro Dom Hélder Câmara (Cendhec), Célia Trindade, também falou. “A trajetória de dom Hélder, como arcebispo, marcou profundamente a luta pelos direitos humanos em Pernambuco. Chegou em plena ditadura militar. Ele disse: o bispo e de todos, Cristo morreu por todos e a ninguém devo excluir do diálogo fraterno e amigo. Na posse também falou que era graça divina descobrir os sinais do tempo, estar à altura dos acontecimentos e corresponder aos planos de Deus. E ele correspondeu”.

Segundo Célia Trindade, durante o tempo em que esteve como arcebispo, dom Hélder se posicionou contra a ditatura, posicionou-se em favor dos perseguidos políticos e trabalhou junto e para as pessoas mais necessitadas. Para realizar obras e ações, disse ela, o dom criou vários movimentos. O padre Pedro Rubens Ferreira de Oliveira, reitor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) também discursou. “Precisamos fazer um exercício de comunicarmos o dom às novas gerações”. Ele disse que vai colocar as portas da Unicap abertas para falar da memória do religioso.

Leda Alves declamou um poema. O ex-vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira, foi mais um a ocupar a tribuna e prestar homenagem à memória de dom Hélder Câmara. Mais uma vez, os músicos Cyntian e Ramos voltaram para mais uma apresentação musical, cantando “Por um dia Graças”. O presidente da solenidade, vereador Zé Neto, fez suas colocações finais e convidou a todos os presentes para que, em posição de respeito, ouvir e acompanhar o Hino da Cidade do Recife.

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Em 12.04.2023.