Câmara do Recife não pode legislar sobre proibição de linguagem neutra, diz Aline Mariano

Durante a reunião plenária desta terça-feira (23), a Câmara Municipal aprovou em primeira discussão o projeto de lei nº 206/2020, do vereador Fred Ferreira (PSC), que dispõe sobre a vedação do uso de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa no âmbito do Recife. Durante a discussão, a vereadora Aline Mariano (PP) ocupou a tribuna da Casa para tecer considerações sobre a proposta. De acordo com a parlamentar – que declarou voto pela abstenção – a matéria seria inconstitucional, já que a prerrogativa de legislar sobre regras gramaticais é do Congresso Nacional.

O uso de novas variedades de flexão de gênero e número no português são geralmente defendidas por apoiadores de uso da chamada linguagem neutra, que buscam introduzir no vocabulário palavras como “todes” como variação possível de “todos” e “todas”, para demarcar a neutralidade de gênero no português.

O projeto de lei nº 206/2020 busca proibir a novidade em escolas públicas municipais e em escolas privadas do Recife, prevendo punições que vão da advertência à suspensão do alvará de funcionamento. Editais de concursos da administração municipal e os demais estabelecimentos públicos municipais provedores de ensino, informação e cultura também são alvos da proposta de proibição.

Em seu pronunciamento, Aline Mariano frisou a necessidade de as unidades de ensino seguirem a norma do Acordo Ortográfico de 1990, mas refletiu que isso não afeta a liberdade de expressão popular. “Só pode se ensinar nas escolas o que foi determinado. São o que chamamos de regras gramaticais. O popular e polêmico ‘todes’ pode ser considerado um neologismo linguístico”, disse. “Todos nós sabemos que o verbo ‘sofrer’ sofreu variações que estão fora das regras gramaticais.  A nossa saudosa Marília Mendonça adotou a ‘sofrência’. Oficialmente, ‘sofrência’ não existe na língua portuguesa, mas se admite na comunicação entre pessoas, porque se tornou uma expressão popular, que todos nós temos o direito de proferir. É a liberdade de expressão pura”.

Para a vereadora, não cabe à Câmara do Recife se debruçar sobre a questão. “Querer proibir o uso de ‘todes’ é querer cercear a liberdade de quem quer falar. Mas querer incluir ‘todes’ nas regras gramaticais é uma discussão que cabe ao MEC [Ministério da Educação], aos linguistas, aos professores de português, à comunidade LGBTQIA+ e, especialmente, ao Congresso Nacional. Entendemos que não temos competência para legislar sobre essa matéria”.

Segundo Aline Mariano, a aprovação do projeto não significa que ela terá efeitos práticos. “Vai sair amanhã nos jornais quem votou contra e a favor de algo que não existe, porque esse projeto já nasce morto. Ele já era para ter sido barrado na Comissão de Legislação e Justiça e não foi. É regimental. Passou o prazo”, disse. “Hoje, votamos uma matéria que nada adiantaria. Se votarmos pela proibição e o MEC, junto com o Congresso Nacional, decidirem pela mudança da língua, não adianta a gente barrar aqui. Isso não vai para a frente e a Câmara do Recife pode ser ridicularizada por algo que estamos votando e que não existe na prática”.

Em aparte, o vereador Luiz Eustáquio (PSB) se posicionou a favor do projeto e salientou que ele pode fazer parte da construção política de uma proibição da linguagem neutra no país inteiro. “Eu já vi esta Câmara tomando posição em diversos projetos. Projetos alguns que a gente não pudessem nem legislar. Mas, ao ponto de a gente ter feito o projeto, fortalecemos uma discussão na sociedade. E essa discussão foi um ponto de partida para que depois, no Congresso Nacional, fosse a lei feita da forma que deveria ser”.

Sobre a proposição - O projeto de lei número 206/2020 foi apresentado pelo vereador Fred Ferreira à Câmara do Recife, no dia 16 de dezembro de 2020. A proposição chegou à primeira votação no plenário, nesta terça-feira, sem o parecer das comissões temáticas permanentes da Casa, ou seja, não foi analisada pelas comissões. É que, conforme o artigo 31, parágrafo 19, da Lei Orgânica do Recife, um projeto de lei que passar dos 60 dias sem parecer dos colegiados, pode ser incluído pelo autor na pauta para votação, mesmo que não tenha sido analisado.

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Em 23.05.2023.