Cida Pedrosa diz que PLO 206/2020 é duplamente inconstitucional
Para a vereadora Cida Pedrosa, o PLO 206/2020 traz consigo dois problemas inconstitucionais: o primeiro, segundo disse, diz respeito ao fato de a Câmara Municipal do Recife não poder legislar sobre o tema, pois entende que ele é da alçada da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e do Ministério da Educação (MEC). O segundo, lembrou a parlamentar, diz respeito ao impedimento da liberdade de expressão, que está garantida na Constituição de 1988.
O PLO 206/2020 dispõe sobre a vedação do uso de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas no país e aprovadas pela comunidade lusófona, no município do Recife. Para Fred Ferreira, a linguagem neutra, seria “uma tentativa forçada de modificação do Decreto Federal nº 6.583, de 29 de setembro de 2008, que promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990”.
Cida Pedrosa disse que, além de vereadora e advogada, também é poeta. “E quem vai falar aqui é a poeta. Tenho um livro cujo título é Solo para Vialejo, e que ganhou o Prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano e o de Melhor Livro de Poesia. Nele, eu crio várias palavras. A língua é um elemento vivo e se modifica a partir das construções sociais. O projeto de lei em discussão é inconstitucional. Cada um se expressa como quiser”, afirmou. A vereadora frisou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou contra uma lei como o mesmo teor da que estava sendo debatida, no estado de Rondônia. “O entendimento do Supremo é que só quem pode legislar sobre essa matéria é a União. Nós aqui não podemos discutir esse assunto”.
Para a vereadora, a língua sempre foi utilizada como objeto de poder e de subjulgamento. “A língua não está apartada do poder da maioria. Ela sempre foi usada pelos mais fortes contra os que são enfraquecidos”. Cida Pedrosa deu como exemplo a palavra mulata, que foi criada no século 17. “A mulher negra foi compara a uma mula”. Da mesma forma, ela disse que a palavra denegrir foi uma palavra “que queria dizer que aquilo que é ruim tem relação com o negro”. Nesse ponto, ela afirmou que o nome dessa tentativa de proibição da linguagem neutra “é um projeto de poder de subjulgamento. Quando queremos proibir o direito de as pessoas se tratarem como quiser é exercício de poder e de subjulgamento das pessoas”.
Cida Pedrosa citou que escritores como James Joyce, autor do clássico Ulisses, apresenta nesse livro “um verdadeiro tratado de criação de novas palavras”. O mesmo, disse, ocorreu num dos maiores livros da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Ela citou, ainda, o poema do pernambucano Manoel Bandeira, que disse que “a língua do povo, é a língua do Brasil”.
O vereador Samuel Salazar (MDB) pediu aparte e disse que não concorda com a linguagem neutra, mas reconheceu que o projeto de lei 206/2020, “está equivocado”. De acordo com o parlamentar, o projeto de lei “simplesmente proíbe as pessoas de falarem. Ele é inconstitucional e digo isso tranquilamente”. O autor do projeto de lei, vereador Fred Ferreira, lembrou que o Brasil “é um país democrático” e que as pessoas, nas ruas, podem falar o que quiserem. “O meu projeto não proíbe ninguém de falar”. Ele lembrou que o seu projeto se baseia numa pesquisa de opinião, que mostra que 96% das pessoas são contra a linguagem neutra. “Eu também falei que apenas 1% é uma linguagem não binaria. Essa e a realidade. Essa minoria é quem está querendo impor algo”.
Sobre a proposição - O projeto de lei número 206/2020 foi apresentado pelo vereador Fred Ferreira à Câmara do Recife, no dia 16 de dezembro de 2020. A proposição chegou à primeira votação no plenário, nesta terça-feira, sem o parecer das comissões temáticas permanentes da Casa, ou seja, não foi analisada pelas comissões. É que, conforme o artigo 31, parágrafo 19, da Lei Orgânica do Recife, um projeto de lei que passar dos 60 dias sem parecer dos colegiados, pode ser incluído pelo autor na pauta para votação, mesmo que não tenha sido analisado.
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Em 23.05.2023.