Reunião pública marca Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
No início da reunião, Collins frisou os conceitos e problemas causados pelo abuso e pela exploração sexual de crianças e adolescentes. “O abuso sexual é qualquer forma de contato e interação sexual entre um adulto e uma criança ou um adolescente, no qual o adulto possui uma posição de autoridade ou poder e utiliza-se dessa condição para a própria estimulação sexual ou, ainda, de terceiros, podendo ocorrer com ou sem contato físico”, disse. “A exploração se define pela utilização sexual de crianças e adolescentes com a intenção de lucro – seja financeiro ou de qualquer outra espécie –, e pode ocorrer em redes de prostituição, de pornografia, redes de tráfico e, também, de turismo sexual”.
A parlamentar mencionou dados que dão conta da extensão desse tipo de violência no país. De acordo com ela, no primeiro semestre de 2022, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu mais de 7,5 mil denúncias de estupro no Brasil. Desse total, cerca de 6,9 mil, infelizmente, as vítimas eram crianças e adolescentes, o que equivale a 79% dos casos. E o problema pode ser ainda maior: ainda segundo Michele Collins, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) teria constatado que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual infantil são denunciados.
Para a vereadora, o país registra avanços, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas ainda há muito o que melhorar. “Nós compreendemos que o melhor caminho para combater essa forma de violência passa pela prevenção. E é aí que entram as políticas públicas nos bairros, nas comunidades, nas escolas, nas casas – onde as crianças estão. É preciso que existam ações de cunho informativo junto aos familiares e responsáveis, a divulgação de informações na sociedade, a capacitação de profissionais que atuam na educação e na assistência social e que são muito importantes para identificar crianças que sofrem abusos e para ajudar a família a fazer a denúncia. Infelizmente, essa violência acontece, principalmente, dentro de casa”.
Além de Collins, compuseram a mesa da reunião pública juiz titular da 1ª Vara dos Crimes contra Criança e Adolescente da Capital, José Renato Bizerra; a coordenadora das promotorias de Infância e Justiça da capital, Jecqueline Guilherme Aymar; a titular da 32ª promotoria de Justiça e Defesa da Cidadania da capital, Rosa Maria Salvi da Carvalheira; a vice-presidente do Comdica, Madalena Fuchs; o vice-presidente da Comissão em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-PE, Cassius Varejão; o gerente de Mobilização Social da Visão Mundial Brasil, Kess Jones; e o líder do projeto Levanta e coordenador da rede Resplandeça, Tobias Schär;
De acordo com Bizerra, o Tribunal de Justiça de Pernambuco tem trabalhado para promover mudanças importantes no tratamento de casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Em especial, ele mencionou a implementação de uma central de depoimentos especiais que buscam evitar, por meio de uma abordagem acolhedora, a revitimização de crianças e adolescentes. “A criança vítima de abuso é atendida em sala especial, através de psicólogo. Não é mais como se fazia antigamente, em que a menina ou o menino, além de ser vítima de um abuso, de uma violência terrível, ainda ser interrogado como se fosse um infrator”, explicou. “O sistema, hoje, respeita a idade e a intimidade da criança e do adolescente. A gente espera que, cada vez mais, isso se aperfeiçoe”.
Número de casos - A promotora Jacqueline Aymar, coordenadora das promotorias de Infância e Justiça da capital falou em seguida. Ela disse que o dia 18 de maio é uma data que vem se consolidando no sistema de Justiça para pautar e refletir sobre um tema tão doloroso e repleto de tabus quanto a sexualidade de crianças e adolescentes que são vítimas de violência cruel e invisível. “É inegável que desde a criação do Estatuto, há mais de 30 anos, houve muito avanço na causa. Se olharmos para Pernambuco, sabemos que avançamos muito na escuta de crianças e adolescentes”, disse. Jacqueline Aymar afirmou, porém, que é importante não olhar apenas para os avanços. “Senão, a gente estaciona”, disse.
Para ela, ainda “é uma mazela muito grande, para o país”, o número de adolescentes que são vítimas de violência sexual. “Há muitos casos de crianças que não chegam sequer a ser denunciados” ou, ainda, segundo ela, de crianças que são levadas para os espaços de acolhimento, mas que chegando nos locais, não têm acolhimento adequado. Para mostrar que os registros oficiais estão abaixo da realidade, Jacqueline Aymar contou que, num espaço de um ano e quatro meses, entre 2022 e nos primeiros meses de 2023, em Pernambuco, só houve 83 depoimentos acolhedores. “Esse número não reflete minimamente a realidade. O número de casos que chega ao Judiciário, para um depoimento, ainda é baixo”. Ela falou também que visitou três espaços de acolhimento que fazem atendimento a adolescente e que o número de casos que ela anotou é assustador.
Desafios - A vice-presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (Comdica), Madalena Fuchs, afirmou que a data de hoje “não é um dia dos mais felizes” porque a campanha de prevenção existe há 23 anos e os dados revelados ainda são impactantes. “Avançamos no campo regulatório, criamos novos serviços de atendimento e nas estruturas de acolhimento. Mas, temos dificuldade de manter os serviços funcionando. E esse é o nosso desafio”. Madalena Fuchs falou, ainda das dificuldades enfrentadas pelo Comdica e aproveitou para anunciar um seminário que será realizado no dia 30 de maio. O seminário vai realizar uma avalição do Plano Municipal de Prevenção e Enfrentamento à Violência de Crianças e também garantir uma apresentação dos fluxos de atendimento de crianças vitimas ou testemunhas de violência.
Vítima e agressores - Além de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e da Visão Mundial, outro convidado que falou na reunião pública foi o líder do projeto Levanta, da rede Resplandeça, Tobias Schär. Ele realiza o projeto com jovens no bairro de Santo Amaro. “Temos duas casas na comunidade e contamos com profissionais de psicologia, de assistência social e outras pessoas que cuidam de crianças”. Tobias afirmou que o projeto trabalha com as mesmas famílias, pois descobriram que, para haver resultados e avanços sociais, é preciso realizar um trabalho cotidianamente.
Tobias Schär abordou dois aspectos do trabalho realizado no projeto: “Trabalhamos com crianças, e algumas sofrem violência. Perguntamos o que podemos fazer para que esse abuso pare? Nossa resposta é a prevenção”. Ele acrescentou que prevenção, no entanto, não é um evento, uma ação na escola ou a simples troca de informações, mas sim investindo-se nos relacionamentos. “Como essas crianças podem entender que têm valores ou que são amados? Como podem entender que têm uma força? Não pode ser num evento, numa informação. Precisamos viver, semana a semana. Por isso, trabalhamos com pais e muitas crianças e falamos a cada semana sobre a importância que eles têm”.
O outro aspecto, disse ele, é observar quando uma criança bate na outra. “Quando trabalhamos com crianças e elas batem umas nas outras, é porque veem o que acontece em casa. O ser humano faz coisas erradas com outras pessoas repetindo o que aconteceu consigo”. Muitos abusadores, segundo ela, são vítimas no passado. “Elas sofreram abuso na infância e fazem o mesmo. É uma tragédia. E esse assunto precisa ser tratado”.
A representante da Gerência da Criança e da Adolescência da Prefeitura do Recife, identificada como Dayse, ressaltou a importância de igrejas, escolas, postos de saúde no sistema de garantia de direitos das crianças e jovens. Ela também citou um relatório feito pela Prefeitura do Recife, em conjunto com entidades, sobre a violência à criança. Uma das conclusões é que a violência na internet tem crescido 50%.
O deputado estadual Cleiton Collins, que participou da reunião pública, ressaltou a importância da abordagem do tema pelo poder público e disse que uma das suas primeiras leis, como parlamentar, foi visando garantir a proteção às crianças. “Esse é um tema difícil”, analisou. Ele ouviu a narrativa de demandas dos participantes e pontuou algumas questões apresentadas, como a criação das delegacias de crianças e adolescentes em todo o Estado. “Posso entrar com uma solicitação, mas é preciso termos os números reais para mostrar a importância de uma iniciativa dessa envergadura”, disse. Ele também disse que pode apresentar emenda parlamentar para projetos específicos e colocou o seu gabinete à disposição das pessoas que trabalham no sistema de garantia de direitos das crianças e adolescentes.
Entre os encaminhamentos da reunião pública, serão diversos, alguns em parceria com a Assembleia Legislativa, através do mandato do deputado estadual Cleiton Collins. São eles: fortalecer as salas do Depoimento Especial no Tribunal de Justiça de Pernambuco, visita a essa sala que está em funcionamento; fazer um projeto de lei na Alepe para ampliar a estrutura dessa sala; criar um hospital da criança que tenha um centro de atendimento à criança vítima de violência; ampliação do número de CAPs infantis; solicitar à Prefeitura do Recife que chame concursados para os CREAs ou que abra concurso no caso de não haver concursados esperando contratação; levar à governadora o pedido para a reabertura da DPCA e aumento do número delas (só existe três no Estado). Depois das falas dos convidados, foi feita uma homenagem com distribuição de certificados aos participantes da reunião pública.
Clique aqui e assista a matéria do TV Câmara do Recife.
Em 18.05.2023