Interseccionalidade: gênero, raça e classe e a saúde mental no Recife é tema de audiência pública
A interseccionalidade busca trabalhar a complexidade das identidades e desigualdades sociais por meio de um enfoque integrado que considera a interação entre categorias como gênero, raça e classe social. A articulação entre estes atravessamentos é discutida como uma abordagem que permite analisar desigualdades que impactam na saúde mental da população.
Cida Pedrosa enfatizou que as pessoas são afetadas de diferentes formas (raça, gênero e classe) e confessou que o tema traz preocupações. Ela ressaltou que era uma temática que muito preocupa. A política de saúde mental estruturada no Ministério da Saúde, de acordo com a parlamentar, tem uma proposta positiva, mas quando chega nos municípios, por mais estruturada que ela esteja, ainda estaria aquém do que precisaria ter. “Por conta, inclusive, do quanto a política de saúde mental é nova (20 a 25 anos). E as pessoas não são afetadas da mesma forma porque dependem basicamente das suas subjetividades e das suas condições sociais. A gente sabe que as mulheres negras, por exemplo, não são afetadas igualmente como as mulheres brancas. A população LGBTQIAPN+ sofre do ponto de vista psicológico por conta de que há uma sociedade posta contra ela. Da mesma forma, as mulheres que recebem toda a pressão do patriarcado e a população indígena, bastante discriminada. Esse tema ainda reúne poucas pessoas que querem se debruçar, mas é preciso dar um pontapé porque os serviços de saúde e as instituições têm que parar para pensar a saúde mental”.
Iris Maria, do Fórum dos Trabalhadores da Saúde Mental de Pernambuco, citou que o Recife é a rede que mais tem serviço de caráter substitutivo e que a saúde mental precisa ser mais atendida em suas demandas. Ela também criticou fortemente o desmantelamento de políticas públicas do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro. “O Recife enfrentou, de alguma forma, o processo de desmantelamento protagonizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que, por esses dias, vai se tornar inelegível. Os crimes que ele cometeu foram contra a humanidade. Existem processos que precisam ser melhorados e a gente precisa abrir uma mesa de negociação, não só com relação à questão salarial, mas a questão das estruturas e de como elas se operacionalizam hoje. A luta antimanicomial foi protagonizada na década de 70 e eu venho aqui representando essas vozes que estão pedindo um olhar específico no que diz respeito às demandas das estruturas dos serviços, logística, entre outras questões.”.
Carmela Alencar, representante do Conselho Municipal de Saúde, ressaltou ser muito importante que a sociedade, de uma forma geral, se mobilize e esteja no Poder Legislativo municipal para fazer o enfrentamento. Ela enfatizou que as mulheres em Pernambuco são profundamente afetadas diante de um machismo que está inserido na sociedade e anunciou que poderia abrir grupos de trabalho para debater a saúde mental. “Eu entendo que essa sociedade machista, esse patriarcado que a gente vive, adoece as mulheres e a nossa população trans precisa ter esse olhar social porque Pernambuco é um Estado que tem recordes de violência contra a mulher e é o que mais mata mulher no Brasil. Esses são dados do Anuário da Violência que mostra também que somos o Estado que mais mata a nossa população trans. Essas pessoas que vivem a violência diuturnamente estão adoecendo mentalmente e a gente precisa que os nossos organismos de saúde atendam essa demanda. Estamos dispostos a reabrir os grupos de trabalhos e dizer que, por meio do Conselho Regional de Enfermagem e da Comissão Regional de Enfermagem Florence, a gente também pode abrir um núcleo de discussão sobre a saúde mental”.
Dayane Alves, coordenadora da Política de Saúde LGBT, citou que a pandemia trouxe o adoecimento mental e que a população LGBTQIAPN+ sofreu e sofre ainda muito. Ela fez sugestões direcionadas ao atendimento no setor da saúde. “O LGBTQIAPN+ segue historicamente sendo cerceado e violentado, e o grande desafio nosso, enquanto política e ambulatórios, é oferecer serviços de suporte de referência. O nosso trabalho diário, enquanto política, é de saúde interseccionando com outras políticas que nós temos dentro da Secretaria de Saúde. Tentar minimizar o impacto no nosso serviço de saúde, por meio da educação permanente de profissionais, promoção de atividades, principalmente nas datas alusivas que nós temos ao longo do ano, até para dialogar com a população LGBTQIAPN+. A atenção primária à saúde deve também se tornar referência para essa população e não um lugar negativo”.
Alyne Lima, coordenadora Municipal da Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, abordou sobre o adoecimento mental na sociedade atual e de como o Recife vem proporcionado serviços à população. “O maior desafio é estarmos hoje nesse planeta porque muitos dos paradigmas do modo de viver, até agora, dão sinais de esgotamento. O próprio capitalismo já dá sinais de esgotamento e eu acho que ele é uma das máquinas que mais produz sofrimento psíquico, atualmente. Precisamos diversificar a nossa rede porque uma rede feita não pode ser feita só de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Esse é um outro desafio. A gente não tem recursos nem do Estado, nem do Ministério da Saúde, mas a gente está bancando hoje, enquanto município, a implantação de um centro de convivência porque que é um espaço de arte e a arte é um grande dispositivo. A arte e a cultura para poder produzir singularidade e potencialidade. E assim, a gente consegue construir alianças nos diversos lugares em que a gente vai”.
O vereador Ivan Moraes (PSOL) citou que existe uma nova intentona manicomial e que a população negra e as mulheres estariam mais vulneráveis. Ele citou uma proposição aprovada na Câmara Municipal do Recife que pede a abertura de um centro que receba pessoas dependentes de drogas. “Desde que a gente conseguiu fechar os manicômios, talvez nunca tivesse tanta pressão para que eles voltem travestidos de muitas palavras diferentes. E as pessoas negras e mulheres são, particularmente, mais vulneráveis nessa nova intentona manicomial porque se colocou o uso de substâncias psicoativas como sendo um elemento determinante para o encarceramento de pessoas. Ontem, na Câmara, a gente aprovou aqui um requerimento (sem meu voto e de Cida Pedrosa) em que a Prefeitura possa abrir um centro para receber pessoas que usam drogas. É preciso ser chamada a atenção, porque depois das últimas eleições, alguns políticos estão muito fortes no Legislativo, Judiciário, instituições de ensino e, até, na psicologia. Como estamos numa mesa de pessoas que estão no mesmo campo, é importante a gente chamar a atenção disso porque a toda hora a gente está sendo atacado e precisamos estar juntos, fortes e firmes para que esses ataques não prevaleçam”.
Encaminhamentos- um relatório final será enviado a todas as secretarias e órgãos envolvidos e a vereadora Cida Pedrosa irá elaborar requerimentos específicos com as demandas.
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Em 21.06.2023