Racismo no século 21 é debatido em audiência pública
Luiz Eustáquio iniciou o debate pontuando as questões das redes sociais e o crescimento da extrema direita como sendo prejudiciais, disseminando ódio à população negra. Ele também fez questão de enaltecer o valor da união entre as pessoas. “O advento das redes sociais e o crescimento da extrema direita trazem para nós uma realidade ainda mais dura. Nós que lutamos por igualdade de direitos estamos sendo maltratados. A saída é a unidade, a luta, não aceitar e reagir ao que está sendo posto. Espero que a gente possa se entender cada vez mais, se reconhecer e não permitir que as pessoas nos ofendam por conta da cor da nossa pele. As redes sociais disseminam o ódio e as punições são raríssimas. Nós estamos num momento muito perigoso sobre o que acontece no mundo virtual e que repercute no mundo real. Quantas e quantos não perderam a vida por causa de uma mensagem virtual?”.
O parlamentar citou momentos tristes como as mortes da George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Alberto Silveira Freitas, morto por seguranças numa loja da rede Carrefour, localizada no bairro Passo d'Areia, Zona Norte da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. “Nós reclamamos esse crime por vários dias. Mas parece, hoje, que não aconteceu nada. Infelizmente, isso ocorre todos os dias com um homem ou uma mulher negra, que muitas vezes vai a óbito por conta da cor da sua pele”.
Após as palavras de Luiz Eustáquio, um vídeo foi exibido detalhando a discriminação sofrida pelo jogador de futebol brasileiro, Vinícius Jr; e de como a sociedade tem o poder de mudar a situação.
Lássana Danfá, doutor em Psicologia, fez uma análise histórica do país desde a monarquia, disse que se o Brasil não combater o racismo nunca será considerado um país de primeiro mundo e que as plataformas digitais discriminam fortemente. “Em um cálculo de Índice de Desenvolvimento Humano, tirando a população negra brasileira, o país fica na posição 177º. E quando deixa somente a população branca, o Brasil fica na 107º. Veja a diferença gritante. E considero que é uma falácia dizer que o racismo brasileiro é sutil com tudo o que está escancarado em nossa frente. Quando faz uma comparação entre negros e brancos, associam os negros ao futebol, samba, coisas braçais ou fúteis. As brancas são ligadas à medicina ou engenharia. O Google, por exemplo, quando colocamos o nome de Michele Obama, dava sugestões para um macaco. Ou quando digita ‘mulher negra’, vem prostituição. As plataformas digitais não são neutras em se tratando de questões raciais”.
Adeíldo Araújo, representante do Movimento Negro Unificado (MNU), falou da importância da educação, do movimento negro e do futebol. “A lei é um ponto de partida, mas se não houver a pressão social, não vai acontecer nada. É interessante que o racismo tenha uma questão estrutural e conjuntural. Nove anos após [o fim] da escravatura no país, o futebol chega e os clubes esportivos são feitos para as famílias brancas, porque o negro não tinha condições de jogar. Surge o Vasco com operários, brancos e negros misturados, mas foram impedidos de jogar o campeonato oficial no Rio de Janeiro. O racismo do futebol não é muito diferente do da sociedade. O nosso problema, hoje, é a base da estrutura brasileira voltada ao capitalismo e ao liberalismo. E onde tem esses dois, a população negra não consegue avançar. O socialismo é o caminho igualitário”.
Gílson Góz, secretário de Combate ao Racismo da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE), disse que lamentava a entrevista da governadora de Pernambuco e valorizou o apoio dos sindicatos e da sociedade. “Mesmo tendo sancionado a lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial no Estado, a governadora Raquel Lyra dá uma entrevista, dias depois, afirmando que não encontrou pessoas negras qualificadas para ocupar espaços em altos cargos no governo. Na área da educação, ela se articulou na Assembleia Legislativa de Pernambuco (sobre o projeto de aumento salarial aos professores) e vota contra a classe trabalhadora, que é onde está a maioria dos nossos filhos de negros e negras da periferia. Que seja instituída a lei 10639, que trata da questão da educação. Vamos pressionar para que saia o acordo coletivo das convenções. Por isso, vamos precisar dos parlamentos e universidades. Viva a classe trabalhadora negra desse país!”.
Marcelo Diniz, gerente de Igualdade Racial do Recife, disse que a questão de raça no Brasil, e no mundo, está intrinsicamente ligada à questão de classe. “A nossa classe trabalhadora é resultado do escravismo. Basta lembrar que a última profissão mais comum que existe na sociedade, a ser regulamentada foi a das empregadas domésticas. Porque o trabalho doméstico é desvalorizado, ligado às mulheres, braçal e para pessoas negras".
Ele citou a plataforma criada pela Prefeitura em novembro do ano passado: Recife Sem Racismo. Ela é acessível pelo aplicativo Conecta Recife e pelo site semracismo.recife.pe.gov.br e serve para acolher denúncias, inclusive aquelas cometidas pela internet. "É preciso a gente sempre estimular a denúncia porque, como diz a filósofa, escritora e professora Ângela Davis: numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”.
Aldemar Santos, secretário de Governo e Participação Social do Recife, relembrou ter sido vítima de racismo em um evento da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que aconteceu no dia 2 de junho, em João Pessoa. O gestor público relatou que uma recepcionista não acreditou que ele fosse um secretário municipal e perguntou se era segurança. O secretário também chamou a atenção no sentido de colocar o racismo em um caráter pedagógico. “Criar uma agenda diária para que as pessoas que são tão pretas quanto eu, reflitam ao se relacionarem com brancas, ou qualquer que seja a cor, e que não sejam também alimentadoras de frases, sentimentos e expressões racistas”.
Evenílson Santana (Mike Tyson), apresentador da TV Clube, relatou o racismo sofrido quando comandava o Cidade Alerta PE e foi chamado de "macaco" por uma telespectadora, durante transmissão pelo YouTube. “Faltava pouco tempo para acabar o programa, pedi ao diretor 30 segundos para fazer um alerta sobre o que estava acontecendo e foi um estopim que me fez desabar e chorar no ar. Fiquei sem palavras na hora. Deu uma angústia muito grande. Fizemos um Boletim de Ocorrência e identificamos a mulher. Um advogado está comigo ajudando no processo e ela alegou que pode ter sido hackeada. Quase dois anos, o processo continua e foi encaminhado ao Ministério Público. Eu nunca imaginava que de tanto noticiar fatos dessa natureza, eu fosse um dia a notícia num assunto que muito me angustia. Espero que o Estatuto de Igualdade Racial do Recife saia do papel”.
A vereadora Aline Mariano (PP) disse que as leis não têm tido o que se espera delas, que são as punições, e citou iniciativas aos negros e negras. “O racismo é crime e não podemos tolerar. Lamentamos muito essa discriminação, repudio com veemência e me revoltei com todos esses episódios. É perverso, destruidor, adoecedor e precisa de reparos. Tenho um projeto que reserva 2% de vagas para cursos profissionalizantes aos negros e negros de baixa renda dos 16 aos 24 anos. É a Lei de número 18.322/2017 e fui bastante criticada acerca desse projeto à época. Achavam que não era necessária, inclusive as cotas também”.
Ao finalizar a audiência pública, o vereador Luiz Eustáquio fez um minuto de aplausos aos negros e negras que perderam a vida ou foram injustiçados. “Vidas negras importam!”, concluiu Eustáquio.
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Em 05.07.2023