Audiência pública debate adequação das escolas privadas à Lei Brasileira de Inclusão
Na audiência, Liana Cirne mencionou algumas das situações reportadas ao seu mandato que revelam as dificuldades do cumprimento do Estatuto pelas escolas particulares. Os casos incluem alegações de impossibilidade de acolhimento, valores diferenciados de matrícula e mensalidade para alunos com deficiência, fraudes quanto aos motivos de recusa de vaga, ausência de acompanhantes para alunos conforme a legislação, falta de formação específica para direção e corpo docente, práticas de exclusão de alunos das atividades escolares, e ausência de planos de ensino individuais.
Ao dar início ao debate, Cirne afirmou ter ela mesma enfrentado esses problemas com a rede particular. “Não falo apenas como vereadora, mas como mãe de um adolescente autista e posso dizer, pela larga experiência que tive porque o meu filho foi mudando de colégio para tentar encontrar alguns ao qual ele pudesse se adequar. No momento em que eu me transformei em uma ativista dessa pauta, eu entendi que o meu filho não tinha que se adequar à escola. A escola tinha, por lei, que se adequar a ele”.
A parlamentar afirmou que o ponto de partida para a realização da audiência foi o caso de espancamento de um aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em uma escola particular do Recife. O caso aconteceu em agosto deste ano. “Isso, digamos assim, foi a gota d’água de um copo que já vinha transbordando há muito tempo, porque esse foi só o mote para que nós convocássemos esta audiência pública. Mas é verdade que há muito tempo nós sabemos dos problemas relativos à adequação das escolas privadas do Recife à Lei Brasileira de Inclusão”.
O pai da criança agredida, Uilder Lima, compareceu à audiência e fez um relato sobre as marcas psicológicas causadas pelo episódio. No plenarinho, ele pediu que as instituições não foquem apenas no lucro e que busquem promover a inclusão com qualidade.
Lima refletiu, ainda, sobre o problema estrutural criado na rede particular por conta das instituições que desobedecem a lei. De acordo com ele, quando algumas escolas negam vagas a pessoas com deficiência (PCD), a demanda sobrecarrega aqueles que seguem a legislação com acompanhamento adequado. “A partir do momento em que o colégio, ao invés de ter uma criança PCD, passa a ter 20, no final não vai ter receita para arcar com a despesa. O que é inaceitável é que o colégio tente um aditivo, aumentar o valor da mensalidade de forma individual, o que não é permitido. Então quando passa a ter essa demanda de gasto com várias crianças neurodiversas, crianças PCD, aumenta a mensalidade total. E as famílias de crianças com desenvolvimento típico passam a questionar”.
O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco (SINEPE), José Ricardo Diniz, mencionou a necessidade de incluir sociedade, famílias e poder público na discussão. Ele afirmou que os desafios não são apenas de ordem econômica, mas também de preparação e adaptação do corpo docente dos colégios. “A escola particular não se exime de sua responsabilidade, não foge ao debate. Agora, um debate que seja amplo, um debate que seja realista, que encare tudo aquilo que está dentro das circunstâncias que envolvem um processo da educação”.
Segundo Diniz, as escolas particulares estão em diálogo com as autoridades para se adaptar às mudanças. O tema também deve ser tratado pelas próprias escolas neste mês. “A gente vem já discutindo isso com o Ministério Público, participando deste ano de pelo menos umas cinco audiências com o Ministério Público, com a Secretaria de Educação do Estado, com a Secretaria da Educação do Recife. Nós não nos furtamos a essa discussão, a vivenciar esse processo e a conquistar passo a passo”, afirmou. “Nós temos uma reunião [do Sindicato] no dia 25 de outubro, uma reunião que a gente faz anualmente, que é a reunião de preparação de matrícula do ano, de planejamento escolar para o ano letivo seguinte, e é claro que a educação inclusiva é um ponto fundamental dentro da nossa pauta de reunião”.
O promotor de Justiça de Educação do Recife do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Salomão Abdo, fez considerações sobre a sugestão da vereadora Liana Cirne para que seja pactuado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com as escolas privadas. De acordo com ele, a possibilidade de utilizar esse instrumento precisa ser aprofundada. “O TAC é um instrumento que o Ministério Público tem para fazer pactuações, compromissos com entidades públicas e privadas a respeito da concretização de determinados direitos fundamentais. Mas é algo que precisa ser bem trabalhado. Normalmente, para se chegar ao ponto final de celebrar um termo de compromisso com alguma entidade, a gente faz toda uma audiência específica, uma ouvida específica dessa entidade. Dá um prazo, coloca o que a gente está pretendendo”, ponderou. “A gente pode colher aquilo que foi pactuado aqui e levar para a nossa Promotoria, para posteriormente se pensar em um termo de compromisso com as escolas particulares”.
O promotor não deixou de frisar que o MPPE tem promovido ações por melhorias na rede particular. “Nós fizemos algo muito parecido em março, quando fizemos uma audiência pública específica, também com as escolas da rede particular do Recife, sobre educação especial. Pretendemos fazer outra no mês de março do ano que vem, porque é [uma audiência] anual que a gente faz para saber, justamente, a respeito dos compromissos que foram assumidos ali. E, dentro em breve, a Promotoria de Educação da capital vai lançar uma proposta de certificação com selos bronze, prata e ouro, premiando as escolas particulares do Recife que melhor investirem em educação inclusiva, para além do mínimo legal”.
Também participaram da mesa da audiência a coordenadora do movimento Mobiliza TEA, Polly Fittipaldi; o tesoureiro geral no Sindicato dos Professores no Estado de Pernambuco (SINPRO), Paulo César Lopes; o gerente geral do Programa de Proteção ao Consumidor (PROCON/PE), Hugo Souza; e a promotora de Justiça no Ministério Público de Pernambuco, Gilka Miranda.
Ao final do evento, a vereadora Liana Cirne consolidou os debates com alguns encaminhamentos. Na ocasião, representantes dos convidados à audiência concordaram com uma sugestão de criar uma cartilha interinstitucional sobre a Lei Brasileira de Inclusão, a ser distribuída às escolas particulares do Recife.
Em 10.10.2023