Impasse sobre regularização fundiária no Bode é tema de audiência pública
O projeto da Prefeitura para as margens do rio Pina inclui intervenções viárias, retirada de palafitas e instalação de equipamentos de lazer. No entanto, parte do terreno pertence à empresa estatal Pernambuco Participações e Investimentos S/A (Perpart), do Governo de Pernambuco, o que gerou uma disputa entre os dois entes.
A licitação do projeto de urbanização do rio Pina havia sido suspensa pela Prefeitura indefinidamente em setembro, após o Governo do Estado ter acionado a Justiça por supostas irregularidades na desapropriação. Durante a audiência, todavia, o vereador Alcides Cardoso informou ter sido publicada, nesta terça-feira, no Diário Oficial do Município, a retomada do processo licitatório para elaboração de projetos executivos de arquitetura, paisagismo e complementares de engenharia.
Segundo o vereador, as decisões da Prefeitura embaraçaram o processo de titulação dos imóveis dos moradores pela Perpart, o que pode fazer com que as compensações oferecidas pele Poder Executivo sejam muito menores do que o devido. De acordo com a Perpart, é de seu interesse contribuir para a titulação dos imóveis aos atuais moradores da região.
“A audiência foi feita para lutar pela regularização fundiária da população que mora ali. Porque eles já lutam há muito tempo, moram ali há muitos anos, e simplesmente a Prefeitura quer chegar e desapropriar. Não pode. Eles têm que ter o título de propriedade, para depois [a Prefeitura] desapropriar. E não ser desapropriado [o terreno] a preço de banana”, defendeu Cardoso.
Durante a audiência, o secretário-executivo de articulação e políticas sociais de habitação da Prefeitura, Felipe Cury, destacou que a Prefeitura atua para resolver os problemas habitacionais da região. Ele lembrou que os moradores da área que não foram aprovados para os conjuntos habitacionais Encanta Moça I e II – a serem entregues no terreno do antigo Aeroclube, próximo dali – serão incluídos na lista do auxílio-moradia da Prefeitura. Em seguida, essas famílias cadastradas deverão ser beneficiadas por um habitacional a ser construído na área reurbanizada da bacia do rio Pina.
Cury afirmou, ainda, que a Perpart não prestou informações sobre títulos de propriedade concedidos a partir de sua própria iniciativa na área a ser desapropriada para o projeto de reurbanização. Segundo o secretário-executivo, a Prefeitura está disposta ao diálogo com a estatal.
“Infelizmente, a gente saiu daqui sem essa certeza, sem esse esclarecimento e sem essa resposta. Até porque se trata de uma área não edificante e o nosso Plano Diretor não permite a titulação de propriedade na área não edificante”, apontou. “O que a gente quer é uma mesa de negociação, já que a Perpart entrou com uma ação judicial e impediu todo o debate, impediu que a gente continuasse com o processo de sentar à mesa e tentar dialogar, o que a gente já vinha fazendo há muito tempo lá com o pessoal da comunidade. E entender efetivamente o que é, da parte da Perpart, que eles têm, de fato e de direito, de título de propriedade já para dar, para a gente ter a segurança de começar a retirar as pessoas que moram nas palafitas, em situação de vulnerabilidade extrema, para os seus habitacionais”.
De acordo com o diretor-executivo de gestão de ativos da Perpart, Márcio Maranhão, a estatal trabalha na regularização fundiária de 41 quadras na região. Entretanto, a desapropriação de uma área equivalente a 11 dessas quadras pela Prefeitura teria impedido a conclusão desse processo. “A Perpart está trabalhando, neste momento, quadra a quadra para que a gente consiga essa entrega desses títulos efetivos de propriedade. O que é que ocorre? No meio disso, no meio deste trabalho de reurbanização, adveio ou sobreveio, melhor dizendo, um decreto de desapropriação oriundo da Prefeitura do Recife. Ou seja, o município do Recife entendeu por desapropriar uma área de faixa de terras que equivale a 11 quadras e aí é que que reside o perigo. A Prefeitura estaria desapropriando essas 11 quadras em cima de pessoas que ainda não têm o título de propriedade. Isso fará com que pessoas que residem naquele local há gerações tenham um efetivo prejuízo financeiro, porque não serão valorizadas na sua propriedade, mas tão somente na sua posse”.
O representante da estatal também se colocou à disposição para o diálogo. “O Governo do Estado de Pernambuco, através da Perpart, está sempre aberto. O nosso maior objetivo é atender os anseios dos pernambucanos. Ninguém é contra projeto, eu ressalto isso. O que nós somos contra, é à forma açodada [da desapropriação], é fazer um decreto expropriatório, colocando uma imposição”.
Morador da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Encanta Moça, no Bode, Robson Gustavo Silva representou a comunidade na audiência. De acordo com ele, os moradores lutam pela derrubada do decreto de desapropriação e pela conclusão do processo de regularização fundiária. “A ZEIS Encanta Moça tem direito ao título de propriedade dado pela Perpart e ratificado pela Prefeitura da Cidade do Recife no ano de 2021. Só que, agora, a Prefeitura tenta desapropriar as pessoas com a desculpa de uma urbanização e de um módulo viário que ligue a ZEIS de uma ponta a outra. Mas, essa construção dessa dita via vai causar para mais de 2 mil desapropriações”, explicou. “São para mais de 2 mil casas que muitas vezes têm duas, três famílias em cada uma. Então você pode chegar talvez a 3 mil famílias que estarão jogadas ao relento, sob um auxílio-moradia de R$ 300, ou a indenização pelas benfeitorias”, lamentou.
A mesa de debate contou, ainda, com a participação da diretora de integração urbanística da Autarquia de Urbanização do Recife (URB), Tercília Vila Nova; do superintendente de regulamentação fundiária da Perpart, Nyêdson de Oliveira; e do representante da Secretaria de Política Urbana e Licenciamento do Recife, Bruno Cabral. Também se pronunciaram na ocasião outros membros da comunidade do Bode e os vereadores Fred Ferreira (PSC) e Rinaldo Junior (PSB).
Ao final da audiência, Alcides Cardoso destacou dois dos encaminhamentos do evento. O primeiro é a entrega da ata da reunião para o Ministério Público de Pernambuco para a tomada de providências; o segundo, a criação de uma comissão conjunta de vereadores, Perpart, Prefeitura e moradores da área afetada, que devem se reunir para dar continuidade ao diálogo sobre a questão.
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Em 17.10.2023